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Prepare-se para uma experiência cinematográfica intensa com Hanna, o aclamado thriller de espionagem que está conquistando os assinantes da Netflix. O filme, que conta com um elenco estelar incluindo Eric Bana, Cate Blanchett e Saoirse Ronan, explora temas profundos como a infância roubada e o controle estatal.
A trama não é apenas um show de ação, mas um mergulho psicológico sobre as consequências de uma vida treinada para a violência. É uma narrativa que prende do início ao fim, questionando o que significa ser humano quando se é criado para ser uma arma.
Este é um daqueles filmes que permanecem na mente muito depois dos créditos finais, provocando reflexões sobre poder, identidade e os limites da moralidade, conforme análise de Fernando Machado, jornalista e cinéfilo.
A Infância Roubada e o Treinamento Brutal
A história de Hanna começa em uma situação extrema, moldando todo o conflito moral do enredo. Hanna, interpretada por Saoirse Ronan, cresce em isolamento absoluto, escondida em uma floresta do norte europeu. Desde muito pequena, ela é treinada por Erik Heller, vivido por Eric Bana, um ex-agente da CIA que a transforma em uma arma humana.
Sua rotina é desprovida de qualquer vestígio de infância convencional, focada em caça, luta corpo a corpo, múltiplos idiomas e resistência física. O objetivo de todo esse treinamento é claro: preparar Hanna para executar Marissa Wiegler, uma agente da inteligência americana interpretada por Cate Blanchett, responsável pela morte da mãe da garota e por uma operação obscura do Estado. O roteiro rapidamente estabelece que esta não é apenas uma vingança pessoal, mas um acerto de contas com as estruturas institucionais que criam e tentam apagar a violência.
O Mundo Exterior: Uma Nova Ameaça
Quando Hanna finalmente deixa a floresta e atravessa fronteiras, o filme muda de registro, intensificando a tensão. A garota entra em contato com a sociedade contemporânea pela primeira vez, e essa transição não oferece alívio, mas uma fonte contínua de apreensão. A curiosidade de Hanna diante de objetos simples, como eletricidade ou televisão, revela a enorme lacuna entre sua formação e a vida comum.
Ao mesmo tempo, a perseguição implacável conduzida por Marissa se intensifica. Cate Blanchett constrói uma antagonista que foge das caricaturas, exibindo uma frieza administrativa, um humor seco e uma obsessão pelo controle. Essas características indicam que ela também foi moldada pelo mesmo sistema que criou Hanna. O encontro da protagonista com uma família inglesa durante sua viagem reforça o contraste entre a normalidade social e a disfunção emocional. O filme expõe que o mundo “civilizado” não é menos violento, apenas mais dissimulado.
Ação com Propósito, Não Espetáculo Gratuito
As sequências de confronto em Hanna são poucas, mas extremamente decisivas para o avanço narrativo. Combates como o do metrô e a perseguição em áreas industriais não existem para inflar a adrenalina de forma gratuita, mas sim para evidenciar a eficiência quase mecânica de Hanna. Cada luta reforça o paradoxo central da personagem: ela é extremamente capaz fisicamente, mas emocionalmente despreparada.
O diretor Joe Wright constrói essas cenas com clareza espacial e um ritmo calculado, evitando o excesso de cortes que muitas vezes dilui o impacto físico da ação contemporânea. Contudo, há momentos em que a estilização visual ultrapassa o necessário, ameaçando transformar a tensão em mero ornamento. Essa escolha cria uma fricção constante entre o rigor narrativo e o desejo de experimentação, nem sempre equilibrada no filme.
Personagens Complexos e Um Final Inquietante
Saoirse Ronan é o pilar de Hanna, sustentando o filme ao unir com maestria a rigidez corporal e a fragilidade emocional. Ela cria uma personagem que nunca se encaixa em rótulos simples de heroína ou vítima, explorando as nuances de sua identidade. Eric Bana atua com contenção, sugerindo culpa e afeto sem a necessidade de discursos explicativos, transmitindo a complexidade de seu personagem.
Cate Blanchett, por sua vez, encarna Marissa como uma engrenagem humana, alguém que acredita estar apenas cumprindo funções, mesmo quando ultrapassa limites éticos irreversíveis. O desfecho do filme não traz uma sensação de vitória, mas a constatação de que Hanna sobreviveu a um processo que a moldou sem seu consentimento. Hanna encerra sua trajetória como um conto cruel sobre a infância, o poder estatal e a identidade forjada pela violência, deixando uma pergunta incômoda no ar: o que resta quando o propósito imposto desde o nascimento finalmente se cumpre?
