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“Leitores que Mentem”: A chocante realidade da falsa leitura no Brasil e como ela molda a reputação e a cultura, revelando um alerta.

Sala de biblioteca com leitores que mentem como participando de debate, expressões de dúvida, luz suave

Tempo de leitura: 6 minutos

A pesquisa ‘Retratos da Leitura no Brasil 2024’ e a reflexão acadêmica revelam que a distância entre o que se lê e o que se declara pode moldar o reconhecimento social.

Você já se viu em uma situação onde precisou opinar sobre um livro que, na verdade, nunca leu? Essa experiência, mais comum do que se imagina, toca em um ponto crucial da nossa interação social e cultural. A forma como falamos sobre livros, mesmo sem tê-los lido por completo, pode influenciar nossa reputação e o modo como somos percebidos.

Em um país como o Brasil, onde os hábitos de leitura enfrentam desafios significativos, a discussão ganha ainda mais relevância. A pressão para demonstrar familiaridade com certos títulos, vistos como pilares culturais, pode levar muitos a simular um conhecimento que não possuem, criando uma complexa teia de aparências.

Essa dinâmica entre a leitura efetiva e a fluência pública sobre obras literárias não é apenas uma questão de honestidade individual, mas um fenômeno social que impacta a cultura e o reconhecimento. Os dados mais recentes sobre o panorama da leitura no Brasil, conforme informação divulgada pelo Instituto Pró-Livro, reforçam a urgência de entender esse cenário.

O Cenário da Leitura no Brasil: Dados Alarmantes

O Instituto Pró-Livro, em 19 de novembro de 2024, divulgou um resumo dos resultados da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil 2024”, revelando um panorama que acende um alerta. Segundo o levantamento, 53% da população brasileira não leu nem parte de um livro, seja impresso ou digital, de qualquer gênero, nos três meses anteriores à pesquisa.

Os números apontam uma redução de 6,7 milhões de leitores em apenas quatro anos, indicando uma queda preocupante. A média de livros lidos também diminuiu, passando de 2,6 para 2,4. Quanto aos livros lidos inteiros, a pesquisa informa que apenas 27% se enquadram como leitores, com uma média de 0,82 livro completo por entrevistado.

Esses dados, coletados pelo Instituto Ipec com uma amostra de 5.504 entrevistados em 208 municípios, fixam de modo verificável o que a pesquisa mede ao descrever os hábitos de leitura no país. Eles criam um contexto para entender por que alguns indivíduos podem se sentir compelidos a se comportar como leitores que mentem, mesmo sem intenção maliciosa.

O Desafio de 'Falar de Livros que Não Lemos'

A não-leitura como objeto de análise não é um tema novo. O ensaio “Comment Parler des Livres que l’on n’a pas Lus?” (2007), do professor francês Pierre Bayard, traduzido como “Como Falar de Livros que Não Lemos?”, já discutia as diversas maneiras de não ler e as situações em que as pessoas precisam comentar obras sem tê-las lido por completo, inclusive em ambientes acadêmicos e na vida social.

Essa obra é relevante por localizar a não-leitura como um assunto formulado dentro do próprio campo da crítica literária. Ela evidencia a existência de uma reflexão pública sobre o descompasso entre a leitura efetiva e a circulação de repertório, especialmente em contextos onde os livros funcionam como importantes referências culturais.

A centralidade de um livro no campo literário pode ser medida por indicadores públicos, como reedições, circulação editorial, presença em bibliografias, prêmios e crítica especializada. Esses critérios ajudam a explicar por que certos títulos se tornam parte do debate e reaparecem em ciclos de ensino e discussão, exigindo uma familiaridade que nem sempre corresponde à leitura.

O sociólogo Pierre Bourdieu, em “A Distinção: Crítica Social do Julgamento”, aborda como as preferências de gosto e as práticas culturais se relacionam com as posições sociais. Ele argumenta que a familiaridade declarada com obras centrais pode render reconhecimento e prestígio, mesmo quando a leitura não é observável externamente. Isso explica por que há incentivos para ser um dos leitores que mentem, ainda que de forma sutil.

A Ciência por Trás da Declaração de Leitura: Viés e Verificação

Pesquisas de hábito, baseadas em entrevistas, dependem fortemente do que o participante declara. Na metodologia de surveys, o viés de desejabilidade social é um fator conhecido: as pessoas tendem a responder de acordo com o que consideram socialmente aprovado, superestimando comportamentos valorizados e subestimando os menos valorizados.

A leitura, por ser um comportamento valorizado, geralmente se enquadra no primeiro grupo. Isso impõe limites à interpretação de autorrelatos, especialmente quando não há uma verificação externa. É um desafio para os pesquisadores e um ponto que nos faz questionar a real dimensão dos leitores que mentem.

Para mitigar esse problema, parte da pesquisa acadêmica utiliza instrumentos de reconhecimento. Um estudo de 2022, publicado no periódico “Behavior Research Methods”, descreveu uma comparação entre autorrelato, um “Author Recognition Test” (Teste de Reconhecimento de Autor) e a contagem de livros em uma amostra de adultos. Esses indicadores buscam estimar a exposição à leitura sem depender apenas da declaração do respondente.

Há também trabalhos de validação do “Author Recognition Test” revisado. Um deles, descrito por Rain e Mar, apresenta um instrumento com 50 nomes de autores de ficção, 50 de não ficção e 40 “Foils”, nomes inseridos como controle por não corresponderem a autores reais. Esse desenho metodológico busca separar a exposição real à leitura de respostas que apenas simulam familiaridade com nomes, uma preocupação central ao analisar os leitores que mentem.

A Lacuna da Verificação: O Que Não Podemos Afirmar

Apesar de toda a discussão e dos dados sobre hábitos de leitura, não há confirmação pública disponível, de forma ampla e sistemática, sobre o quanto críticos, professores, escritores ou influenciadores realmente leem antes de falar de um livro específico. Também não existe um mecanismo institucional de auditoria da leitura individual.

Sem entrevistas documentadas, registros pessoais publicados ou bases de dados de leitura, não é possível afirmar, de modo verificável, que um conjunto de profissionais sustente renda ou reputação exclusivamente com base em declarações falsas. A questão dos leitores que mentem, nesse sentido, permanece no campo da especulação individual quando se trata de atribuições diretas.

O que as fontes públicas permitem afirmar é mais restrito: a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil 2024” indica que não-leitores são maioria no recorte de três meses medido em 2024. A metodologia de survey descreve limites do autorrelato e formas de viés. E há um registro editorial de que a não-leitura é um tema discutido no livro “Como Falar de Livros que Não Lemos?”.

Com esses elementos, o contraste entre a leitura efetiva e a fluência pública sobre obras pode ser tratado como um problema de verificação e de incentivos sociais, sem que se chegue a conclusões definitivas sobre casos individuais. A complexidade do tema exige uma análise cuidadosa, que reconheça os desafios da leitura no Brasil e as nuances da interação social em torno dos livros.

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