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Crítica do elogiado filme no Festival de Cannes 2025

sirat

Tempo de leitura: 4 minutos


Uma das imagens mais marcantes de Sirât é a de uma pilha de caixas de som pretas em meio ao deserto. Seja ou não essa a intenção do diretor Oliver Laxe, é fácil deixar a mente vagar até o lendário monolito de 2001 - Uma Odisseia no Espaço enquanto assistimos ao equipamento pulsando no mais alto volume enquanto músicas eletrônicas saem de seu interior. Mas, se aquele objeto representava o salto tecnológico da humanidade, este parece anunciar o fim.

Nós não sabemos disso ainda, mas quando o filme começa – com uma rave gigantesca no meio da aridez do Marrocos – essa profecia apocalíptica já se tornou realidade. Os detalhes são escassos, mas o pouco que recebemos deixa claro que um conflito de escala global se iniciou e que praticamente toda grande nação está se posicionando de um lado ou do outro do embate. Quem atirou a primeira pedra? Por que? Pouco importa. Como um personagem diz ao ouvir um relato no rádio, “o fim do mundo já está acontecendo há alguns anos.” Essa frase é a chave para entender este surreal, agoniante e inesquecível filme.

Situado inteiramente no deserto, o longa-metragem usa a paisagem distópica para compor imagens quase alienígenas. Pessoas como o quinteto de amigos Jade Oukid, Stefania Gadda, Richard Bellamy "Bigui", Joshua Liam Henderson e Tonin Javier – todos interpretando a si mesmos – dançam sem cessar, e a música só é desligada com a chegada do exército marroquino, que força a festa a chegar ao fim e comanda todos os cidadãos europeus a deixar o país. Uma fila interminável de caminhões e trailers se forma, e o grupo aproveita uma distração para acelerar em direção ao sul do país, onde há relatos de outra rave sendo organizada. Atrás deles vai um carro comum com duas pessoas: Luis (Sergi López) e seu filho, Esteban (Bruno Núñez), os únicos que estão ali por uma razão diferente. A filha de Luis sumiu há cinco meses, e de alguma forma eles receberam a informação de que ela estaria numa dessas raves. No desespero para achá-la, os dois seguem os festeiros em direção ao horizonte.

A jornada encenada a seguir é inesperada e brutal. Laxe coloca em tela uma manifestação da declaração supracitada, um manifesto que o diretor certamente acredita valer para todos nós. E quem pode discordar? Independente de quão perto do armagedom estamos, a sensação de um desespero crescente afeta cada vez mais pessoas, e quanto mais Sirât reproduz essa ideia, através de suas composições que parecem vir de pesadelos febris – não importa quanta vezes ele repita isso, ver apenas as luzes dos carros acesas em meio ao breu da noite é constantemente impactante – sublinhadas por uma trilha sonora digna de épicos de ficção-científica, mais entendemos o estilo de vida desses amigos.

Jade, Stef, Bigui, Josh e Tonin parecem nômades, negociando por gasolina e dirigindo de ponto a ponto num mundo quase passível de confusão com o de Mad Max: Estrada da Fúria. À exceção da troca do metal pelo eletrônico, a influência de George Miller em Laxe é única, mas a assinatura do diretor espanhol, também palpável no roteiro que ele escreveu junto com Santiago Fillol, é mais niilista, o que se encaixa bem com os temas de Sirât.

Tanto quando acontecimentos profundamente chocantes são contrapostos com as cenas onde Luis e Esteban formam um laço estranho mas genuíno com o quinteto, quanto quando a progressão narrativa toma rumos mais violentos – literalizando o medo do qual os personagens, talvez inconscientemente, estão fugindo – detectamos algo como acidez. Se, por um lado, Laxe parece estar nos encorajando a dançar mesmo quando o mundo está nas últimas, mantendo arte e paixão vivas independente das circunstâncias, o cineasta também não oferece saídas fáceis. Na verdade, talvez seja mais justo dizer que ele não oferece saída alguma.

Afiado, Sirât pode parecer um surto, no melhor sentido da palavra, mas é também profundamente sóbrio em sua abordagem. Não há exemplo melhor disso do que a conclusão do filme, que é ambígua não no que acontece, mas através do que é mostrado. O horizonte segue adiante. Talvez haja alguma salvação nos esperando do outro lado dele, mas provavelmente não nesta Terra. Aqui, na visão de Laxe, só há desertos.

Sirât

Ano:
2025

País:
França, Espanha

Duração:
115 min

Direção:

Oliver Laxe

Roteiro:

Santiago Fillol,

Oliver Laxe

Elenco:

Sergi López

Onde assistir:





Fonte:Omelete

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