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Crítica do filme com Pedro Pascal e Joaquin Phoenix

eddington critica cannes

Tempo de leitura: 6 minutos


E se doomscrolling fosse um filme? Essa ideia – de reproduzir a sensação escatológica de rolar o feed das redes sociais infinitamente, acumulando notícias ruins, discursos de todo tipo e vídeos de 60s recheados de uma característica deprimente – parece ter inspirado Ari Aster a fazer Eddington, um filme que escolhe o momento onde dobramos a esquina da loucura para estufar sua história com toda polêmica imaginável, de tudo envolvendo COVID-19 à violência policial, passando no caminho por imigração, ativismo branco, big techs e Trump.

Para encenar a narrativa, que começa em maio de 2020, o diretor de Hereditário e Midsommar escolhe a energia comicamente ansiosa do primeiro ato de seu pouco visto Beau Tem Medo, dando ao mundo da pequena cidade que dá nome ao filme um ar de pesadelo. Mas onde Beau se apoia no surrealismo, Eddington aposta na política e na vida social. A cada esquina há uma piada, e toda risada é uma bad vibe.

A maior parte desses risos nervosos vem de Joaquin Phoenix como Joe Cross, o xerife pró-armas e anti-máscaras deste condado no Novo México que usa sua recusa de usar máscaras como combustível para abastecer uma campanha contra o atual prefeito, Ted Garcia (Pedro Pascal). É verdade que a reeleição de Garcia não está tão garantida devido à decisão do político de usar dinheiro público para construir um centro de processamento daqueles que sugam água e energia para que IAs gerem suas aberrações, mas Joe está longe de ser um adversário à altura – sua decisão de se candidatar vem depois que um residente idoso de Eddington, também convencido de que o coronavírus é balela, posta uma selfie com ele. Ainda assim, munido apenas do apoio dos únicos dois policiais da cidade, lá vai ele.

Não é suficiente para você? Felizmente, Aster apresenta ainda Lou (Emma Stone), a esposa de Joe cuja saúde mental já complicada corre o risco de explodir graças à sua nova devoção a Vernon Jefferson Peak (Austin Butler), um televangelista online que trocou Deus por teorias da conspiração (exceto quando o Divino lhe é conveniente) ainda mais malucas do que aquelas que a mãe da mulher, Dawn (Deidre O'Connell), passa o dia lendo em voz alta no computador. Complicando ainda mais o dia a dia de Joe estão os crescentes protestos da pequena, mas vocal comunidade ativista da cidade, liderados pela autodeclarada “traidora branca” Sarah (Amélie Hoeferle), por quem o filho do prefeito, Eric (Matt Gomez Hidaka), e seu melhor amigo Brain (Cameron Mann) estão apaixonados o suficiente para assumir qualquer causa.

Se esses dois parágrafos de preparo soam cansativos, então fiz meu trabalho em comunicar a teia de relacionamentos e dinâmicas propositalmente bagunçada que envolve todo o filme, e para empacotar tudo isso, Aster tem um gênero em mente. Se não ficar claro na primeira grande discussão de Joe e Ted, filmada com cada um de um lado da tela e de frente para o outro como num duelo, então uma referência à eterna despedida de John Wayne em Rastros do Ódio que posiciona Phoenix como o cowboy mais triste da história deixará claras as intenções do cineasta de fazer um faroeste. Se Eddington é um filme de bangue-bangue, ideias são as balas, e todo mundo está atirando em todo mundo.

É claro que o filme eventualmente decide usar munição de verdade, incluindo numa sequência de tiroteio à noite, com Joe indo de esquina a esquina em Eddington, que deixará qualquer fã de ação impressionado com o controle de tensão de Aster, mas a transição para a violência funciona precisamente porque o que vem antes é tão explosivo quanto pólvora. E seja com os pensamentos cada vez mais malucos que trafegam na mente de sua esposa, vivida por Stone com um tempero humorístico que devasta tanto quanto diverte, ou seja na crescente rivalidade com Ted – que sofre um pouco para ser interessante devido à natureza de bom-moço inerente a Pascal, mas ainda é um bom oposto a Joe – tudo está se virando contra o xerife, incluindo seus pulmões. Phoenix, novamente disposto a se humilhar pelo diretor, é mais convincente aqui como um perdedor capaz de fazer qualquer coisa do que em Coringa, e a forma como o filme vai fechando o cerco emocional a seu redor comunica com maestria a sensação de cacofonia da internet. Para o bem e para o mal Eddington é o filme mais online imaginável.

Propositalmente exaustivo, Eddington merece pontos por não tentar parodiar a vida pós-2020 através disso tudo. Muito se fala de como produtos culturais como GTA e Saturday Night Live sofrem para arrancar as mesmas risadas de suas versões exageradas da modernidade, já que algo tão inacreditável quanto suas brincadeiras pode ser encontrado no noticiário da CNN. Ciente disso, Aster até satiriza, mas não transforma nenhum de seus personagens em caricatura, preferindo apenas levantar um espelho para quase tudo que os algoritmos em nossos smartphones nos servem pela manhã. O resultado será igualmente desgastante para defensores e adoradores de Eddington, já que não há como abordar isso tudo sem esgotar nossas reservas emocionais.

Diante disso, o humor do filme se torna uma ferramenta indispensável, mas é difícil enxergar para onde tudo isso leva. Se Eddington tira alguma conclusão dessa salada de temas e tons, é que quem historicamente se aproveita dos outros continuará fazendo o mesmo, e que a geração que saiu da pandemia por cima é ainda pior do que os Joe Crosses da vida. O ciclo continua. Apresentada com superficialidade, essa ideia vem num epílogo que, enquanto cômico, parece revelar uma tentativa do roteiro de Aster de encontrar sentido em tudo que veio antes. Talvez fosse melhor apenas jogar os braços para cima e dizer que viver no aqui, e agora, é como estar num sonho febril sem fim.

Eddington funciona mais no momento a momento desse vai-e-vem político justamente porque, ao invés de investigar a fundo e virar algo pedante, Aster usa as imagens e conceitos mais polemizados do Século 21 para gerar comédia e estabelecer um filme único dentro dos neo-westerns. É claro que isso não satisfará a todos, mas a intenção do artista, aqui, não parece ser a de comentar tanto quanto a de surtar e nos levar junto. Aster transforma os poucos quilômetros quadrados de Eddington num caldeirão, usando cada elemento carregado desta década como ingrediente e ligando o fogo no máximo só para ver o que acontece. Há prazer nesse caos, só não espere um prato gostoso no fim.

Eddington

Eddington

Ano:
2025

País:
EUA

Classificação:

16 anos

Duração:
148 min

Direção:

Ari Aster

Roteiro:

Ari Aster

Elenco:

Pedro Pascal
,
Joaquin Phoenix
,
Emma Stone
,
Austin Butler

Onde assistir:





Fonte:Omelete

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