Tempo de leitura: 6 minutos
Professor da PUC-SP explica o ciclo econômico essencial para entender a economia brasileira e o impacto da financeirização
As complexidades dos fluxos financeiros, discursos sobre déficit orçamentário e arcabouço fiscal podem parecer desorientadores, mas a economia, em sua essência, é um ciclo interligado. Segundo o professor Ladislau, da pós-graduação em economia da PUC de São Paulo, compreender esse ciclo é fundamental para entender como a economia funciona e para quem ela deve servir: as famílias.
A economia não deve servir ao sistema, mas sim às famílias, garantindo que elas vivam bem. Essa articulação central se dá com o sistema produtivo do país, onde famílias fornecem trabalho em troca de salários, que por sua vez geram demanda por produtos. Essa demanda é vital para as empresas, que precisam de trabalhadores e de compradores para seus bens e serviços. Essa é a base do ciclo econômico.
Essa visão foi apresentada pelo professor em um vídeo explicativo, onde ele detalha a interdependência entre os agentes econômicos e como a fragilização desse ciclo, especialmente pela atuação do sistema financeiro, impacta negativamente a sociedade. Os dados e análises apresentados são baseados em fontes sólidas como a Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contábeis (ANEFAC) e o Banco Central do Brasil.
O Coração do Ciclo: Famílias e o Sistema Produtivo
No centro de todo o raciocínio econômico estão as famílias. A economia deve funcionar para garantir o bem-estar familiar, e não o contrário. Essa premissa se articula diretamente com o sistema produtivo. As famílias oferecem sua força de trabalho em troca de salários, e esse dinheiro recebido se transforma em demanda por produtos. Essa demanda é o motor que impulsiona as empresas a produzir.
Sem a capacidade de compra das famílias, o processo produtivo se rompe. É essencial manter um equilíbrio entre a remuneração das famílias e a capacidade de investimento das empresas. Quando esse ciclo é interrompido, o impacto é sentido por todos os setores da economia.
A Indispensável Presença do Estado na Economia
O Estado é um personagem essencial neste ciclo. Ele se financia através de impostos gerados tanto sobre o consumo das famílias quanto sobre os processos produtivos. Essa arrecadação permite ao Estado financiar políticas sociais, que são cruciais para o bem-estar da população.
Serviços como saúde, educação, segurança e infraestrutura básica, como ruas asfaltadas e parques, são exemplos de políticas sociais. Em muitos países desenvolvidos, como os Nórdicos, o Estado representa até metade do PIB, demonstrando sua importância.
Essas políticas sociais garantem o que o professor chama de salário indireto. Através dos impostos, as famílias têm acesso a serviços essenciais que, de outra forma, seriam inacessíveis ou muito mais caros. Um sistema de saúde e educação pública e eficiente é mais barato e benéfico do que a mercantilização desses serviços.
Infraestrutura e o Papel Planejador do Estado
Além das políticas sociais, o Estado é fundamental na organização e manutenção de infraestruturas essenciais. Redes de energia elétrica, distribuição de combustível, sistemas de transporte, telecomunicações e saneamento básico são exemplos de investimentos de longo prazo que beneficiam tanto famílias quanto empresas.
Esses sistemas não são geridos por flutuações de mercado, mas sim por planejamento estatal. A experiência em países como China, África e Suécia demonstra a eficácia do Estado na construção e gestão dessas redes vitais para o desenvolvimento econômico.
A Financeirização e o Dreno Financeiro no Brasil
Atualmente, o ciclo econômico está sob ataque devido à financeirização, que prioriza os interesses do sistema financeiro. O dinheiro, que antes era lastreado em bens físicos, hoje é majoritariamente composto por sinais magnéticos, facilitando a exploração através de altas taxas de juros.
No Brasil, essa realidade é alarmante. Famílias pagam taxas de juros em torno de 51% ao ano, enquanto na Europa essa taxa é de cerca de 4%. Essa situação leva a um endividamento massivo, com 71 milhões de adultos inadimplentes no país. O professor classifica essa prática como “bandidagem do sistema financeiro”.
As empresas também sofrem com juros elevados, em média 21% ao ano, segundo dados do Banco Central. Tornar uma empresa viável com tais custos é praticamente impossível, o que paralisa o investimento e a produção.
Esse dreno financeiro representa cerca de 10% do PIB, que em vez de ser investido na economia, enriquece o setor financeiro. Somente das famílias, o sistema financeiro retira cerca de um trilhão de reais em juros anualmente. Para se ter uma ideia, o orçamento do Ministério da Saúde em 2024 é de R$ 320 bilhões.
O próprio Estado não escapa. A taxa SELIC, que em 2024 deve drenar cerca de 8% do PIB (aproximadamente R$ 800 bilhões), representa juros pagos sobre a dívida pública. Esse dinheiro, proveniente dos impostos, em vez de ser investido em políticas sociais ou infraestrutura, se torna lucro para os grandes grupos financeiros.
Esses ganhos, como aponta o professor em seu livro “Era do Capital Improdutivo”, são essencialmente sobre o trabalho alheio. Além disso, a isenção fiscal para lucros e dividendos, e a Lei Kandir, que isenta impostos sobre exportação de bens primários, beneficiam grandes bilionários e empresas, enquanto cidadãos comuns pagam impostos sobre seus salários.
Estima-se que esse sistema financeirizado esterilize cerca de 25% do PIB, ou seja, um quarto de todo o esforço produtivo do país é captado por agentes que não produzem valor. Essa intermediação financeira, comparada a um sistema de agiotagem, paralisa o desenvolvimento e a dignidade humana.
A Luta pela Recuperação do Ciclo Econômico
O desafio central é fazer com que esse dinheiro volte a alimentar o processo produtivo. A compreensão do ciclo econômico – famílias gerando demanda, que dinamiza a produção, ambos pagando impostos para financiar políticas sociais e infraestrutura – é a chave para resgatar a função social da economia.
A desigualdade no Brasil é gritante, com três quartos das famílias em situação precária e milhões passando fome ou em insegurança alimentar. A desindustrialização, com a indústria caindo de 22% para 11% do PIB, e a reprimarização, com foco na exportação de bens primários sem agregação de valor, fragilizam a economia.
O Estado, fragilizado pela influência de interesses privados e pela autonomia do Banco Central atrelado aos grandes grupos financeiros, perde sua capacidade de investir em políticas sociais e infraestruturas. A privatização de serviços essenciais como saúde e saneamento, que deveriam ser investimentos públicos, transforma-os em fontes de lucro privado, com custos maiores e menor eficiência.
O professor Ladislau convida a todos a aprofundarem o entendimento sobre como esses mecanismos funcionam, utilizando seu site e livros como fontes. Resgatar a função social da economia, ele afirma, é uma questão de dignidade humana e de fazer as coisas funcionarem de maneira inteligente, para o benefício de toda a sociedade.
Leia: Realmente Paga a Conta e o Impacto no Seu Bolso? Descubra a Verdade por Trás da Proposta.
