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A ascensão da inteligência artificial no mercado de trabalho levanta o debate sobre o desemprego em massa e o futuro do sistema capitalista, com gigantes como Amazon já planejando substituições de humanos por máquinas.
O vídeo de um robô humanoide da chinesa Yubtek, capaz de trabalhar 24 horas por dia e trocar a própria bateria, viralizou recentemente, gerando discussões intensas sobre o futuro do trabalho humano. Essa imagem, somada a notícias sobre cortes de vagas e planos de automação, reacende uma ansiedade antiga: a inteligência artificial no mercado de trabalho é uma ameaça real?
A preocupação não é infundada. Em outubro, os Estados Unidos registraram o maior corte de vagas em 22 anos para o mês, com a IA sendo apontada como um dos motivos. Além disso, uma reportagem do New York Times revelou que a Amazon estaria planejando substituir meio milhão de trabalhadores por robôs nos próximos anos, embora a empresa oficialmente classifique isso como uma possibilidade interna.
Esse cenário complexo, que afeta desde operários a profissionais qualificados como engenheiros, programadores e publicitários, levanta questões profundas sobre a economia e a sociedade. Entenda as previsões de especialistas sobre o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho, conforme divulgado pela BBC News Brasil.
A Ameaça da Automação e da IA
O avanço da inteligência artificial no mercado de trabalho já é uma realidade palpável. A busca por eliminar gastos com mão de obra é um motor para empresas que visam aumentar significativamente suas margens de lucro. Contudo, essa lógica pode gerar um efeito bumerangue, levantando a questão: o que acontecerá se as pessoas ficarem sem trabalho e, consequentemente, sem poder de compra?
Essa redução no consumo poderia levar o mercado a perder consumidores, fazendo com que as próprias empresas faturem menos. O economista francês Gilles St. Paul traçou hipóteses para um futuro onde a IA e a robótica evoluem aceleradamente, tornando mais vantajoso para as empresas investir em máquinas do que contratar seres humanos.
Segundo Gilles St. Paul, esse movimento poderia levar o consumo em massa a um colapso, colocando em xeque a essência do sistema capitalista, que busca crescimento e expansão permanentes. A ameaça se estende a diversas profissões, sinalizando uma transformação sem precedentes.
Revolução Industrial vs. Revolução da IA: Uma Diferença Crucial
Frequentemente, o debate sobre a inteligência artificial no mercado de trabalho remete à Revolução Industrial. A chegada das máquinas e da energia a vapor na Inglaterra do século XVIII eliminou funções artesanais, mas também criou novas ocupações, exigindo adaptação humana. O trabalho não desapareceu.
No século XX, a automação industrial reduziu empregos, mas o avanço da economia de serviços, como saúde e educação, absorveu essa mão de obra. Posteriormente, a ascensão da economia do conhecimento, abrangendo marketing e TI, gerou ainda mais oportunidades.
No entanto, o economista Gilles St. Paul aponta que, desta vez, a situação é diferente. A nova revolução da IA ameaça não apenas o trabalho braçal, mas também o trabalho qualificado da economia do conhecimento. Ele afirma que a inovação agora produz “objetos e entidades que podem substituir humanos”, inclusive para funções qualificadas. St. Paul sugere que, se a economia usar todo o potencial da IA, daqui a uns 30 anos, praticamente dois terços da força de trabalho seriam substituídos.
O Cenário de “Banho de Sangue” e o Tecnofeudalismo
A perspectiva de Dario Amodei, CEO da Anthropic, empresa do chatbot Claude e concorrente da OpenAI, é alarmante. Ele concorda com a possibilidade de um “banho de sangue” que, em até cinco anos, eliminaria metade das vagas de primeiro emprego nos Estados Unidos. Amodei destaca que funções de nível inicial em empresas financeiras, que envolvem análises de documentos, são precisamente áreas onde a inteligência artificial já é muito boa e está melhorando rapidamente.
Amodei prevê um período de grande crescimento econômico, mas que não beneficiará a todos. Ele expressa preocupação de que um crescimento robusto possa vir acompanhado de desemprego para muitas pessoas, com a “torta” econômica se concentrando em um número menor de indivíduos, deixando muitos sem um pedaço.
Se esse cenário de escassez de emprego e concentração de renda se concretizar, o poder de compra no mercado diminuirá drasticamente. Segundo a hipótese de Gilles Saint-Paul, isso significaria o fim da classe média e o colapso do capitalismo baseado no consumo em massa. Nem mesmo os mega-ricos conseguiriam compensar essa queda na atividade econômica, pois suas necessidades e desejos de consumo são limitados, um conceito econômico conhecido como preferências não homotéticas.
Outra teoria para a demolição do capitalismo é o tecnofeudalismo, defendido pelo ex-ministro da economia da Grécia, Yannis Varoufakis. Em seu livro recente, Varoufakis argumenta que as grandes plataformas digitais de hoje atuam como os senhores feudais da Idade Média, dominando a economia online sem competição. Isso faria o capitalismo perder pilares como mercados com participação direta e estímulo à inovação, retornando a características feudais com mais limitações para a atividade econômica.
Possíveis Saídas: Renda Básica Universal ou Bloqueio Tecnológico?
Diante da iminente desvalorização da força de trabalho humana pela IA, Gilles Saint-Paul explora algumas hipóteses para o futuro. Uma delas é que, para evitar o colapso do capitalismo, uma corrente de mega-ricos aceitaria pagar impostos mais altos, que financiariam a renda básica universal (RBU). Nesse sistema, o Estado forneceria uma quantia fixa a todos, independentemente de trabalharem ou não.
Outra possibilidade levantada pelo economista francês é um movimento para simplesmente bloquear o avanço da tecnologia. Nesse cenário, os humanos seriam mantidos artificialmente em funções que robôs ou IAs poderiam realizar, garantindo a continuidade da renda vinda do trabalho. Saint-Paul, contudo, considera essa segunda hipótese menos provável.
Ele argumenta que “toda evolução da organização do trabalho no último século prepara as pessoas para serem substituídas pela IA”, já que tudo se formaliza, eliminando o traço pessoal. “Não consigo pensar em uma atividade humana que não possa ser feita pela IA, para ser sincero”, afirma. Ele acrescenta que “talvez haja gênios incríveis que não consigam ser igualados pela IA, mas isso é irrelevante em termos econômicos”.
Dario Amodei, da Anthropic, enfatiza a necessidade de uma discussão política séria sobre o futuro em que a inteligência artificial no mercado de trabalho domina. “Isso é sobre a vida das pessoas e como elas ganham a vida”, diz Amodei, ressaltando que o desfecho “depende das decisões de quem formula políticas”, que devem prestar contas à população informada.
Sobre a identidade e o significado da vida sem trabalho, Gilles Saint-Paul é otimista. Ele não acredita que o trabalho seja inerentemente uma fonte de significado. “As pessoas vão encontrar outros canais para dar significado para suas vidas”, conclui, sugerindo que a humanidade pode se adaptar a uma nova era, pois “o trabalho não foi fantástico em termos de dar significado à vida das pessoas”.
