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Participação Social no Brasil: Por Que Agências Reguladoras Exigem um Novo Marco Normativo para Salvar a Democracia e a Legitimidade?

Sala de reuniões com cidadãos diversos em discussão sobre participação social no Brasil

Tempo de leitura: 5 minutos

Mecanismos de participação social são numerosos no Brasil, mas sua efetividade democrática na regulação é limitada, exigindo um marco normativo urgente para garantir o diálogo e a transparência.

A participação social tornou-se um pilar fundamental nos processos regulatórios brasileiros, com consultas e audiências públicas integrando o dia a dia das agências e outros órgãos com poder normativo. Contudo, apesar do avanço formal, observa-se um paradoxo: a grande quantidade de mecanismos de participação nem sempre se traduz em efetividade democrática ou deliberativa.

O problema central não reside na ausência de oportunidades para a participação, mas sim na forma como ela é organizada institucionalmente. A maneira como essas interações são estruturadas limita o impacto real dos cidadãos nas decisões finais, conforme apontado por uma professora da FGV Direito Rio, coordenadora científica do projeto Regulação em Números.

Essa conclusão, que destaca a necessidade de um marco normativo geral para sistematizar os mecanismos de participação social, é fruto de análises detalhadas sobre o cenário regulatório nacional, conforme informações divulgadas pela FGV Direito Rio.

O Paradoxo da Participação Formal e Seus Desafios

Um exemplo marcante dessa contradição ocorreu em 2015, quando a Anvisa submeteu à consulta pública a proposta de banimento do agrotóxico carbofurano. Apesar de ser uma substância tóxica e já proibida em muitos países, a participação popular inicial foi modesta.

Somente após uma intensa campanha nas redes sociais, milhares de manifestações padronizadas em defesa da proibição foram enviadas. No entanto, a agência priorizou as contribuições consideradas “técnicas”, dialogando extensivamente com a indústria regulada e ignorando grande parte do clamor popular, embora o banimento tenha sido mantido com ajustes favoráveis às empresas.

Este caso não é isolado, revelando um padrão: baixa participação na maioria dos temas e picos de engajamento em assuntos de alta relevância, com pouco impacto real nas decisões. Nesse contexto, grupos mais organizados exercem influência desproporcional, enquanto cidadãos e grupos menos estruturados permanecem marginalizados.

Falhas no Desenho Institucional e Normativo

Parte significativa do problema reside no desenho institucional da participação social no Brasil. Desde a criação das agências reguladoras no final dos anos 1990, a consulta pública foi concebida como instrumento obrigatório apenas em fases avançadas do processo normativo, quando a minuta da norma já está substancialmente definida.

A Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019), ao disciplinar minuciosamente a consulta e a audiência pública, reforçou esse modelo. Ela manteve a participação como facultativa nas etapas iniciais do ciclo regulatório, justamente aquelas em que a influência dos interessados poderia ser maior e mais estratégica.

Estudos empíricos confirmam esse diagnóstico: análises sobre agências do setor de transportes mostram que mais de 70% dos mecanismos participativos são realizados após a redação da minuta normativa. Quando a participação ocorre antes, na definição de problemas e objetivos, as taxas de acolhimento das contribuições são significativamente mais altas, mas esses mecanismos iniciais são subutilizados e mal regulamentados.

A fragmentação normativa agrava o quadro, com agências utilizando uma miríade de instrumentos, como “tomadas de subsídios”, “consultas setoriais” e “diálogos setoriais”, muitas vezes para fins semelhantes, mas com procedimentos e prazos distintos. Essa ausência de uniformidade e regras mínimas gera insegurança e dificulta o acesso de novos participantes.

Os prazos exíguos são outro obstáculo relevante. Enquanto a legislação fixa um prazo mínimo de 45 dias para consultas públicas de minutas normativas, mecanismos utilizados em fases anteriores frequentemente duram menos de um mês, tornando a participação uma mera formalidade.

Transparência e Responsividade Insuficientes

Há, ainda, um déficit significativo de transparência e responsividade. Fora das consultas públicas formais, os órgãos reguladores raramente oferecem respostas às contribuições recebidas. A ausência de retorno não apenas enfraquece o caráter deliberativo da participação, como também desestimula o engajamento futuro, inclusive de atores especializados.

Sem uma resposta clara, não há diálogo efetivo, e sem diálogo, a deliberação se torna superficial. Essa falta de feedback mina a confiança e a vontade dos cidadãos e organizações em contribuir, perpetuando um ciclo de desengajamento e ineficácia.

Um Caminho para a Democratização da Regulação

Diante desse cenário, a necessidade de um marco normativo geral que sistematize os mecanismos de participação social ao longo de todo o ciclo regulatório é imperativa. A proposta não visa engessar a atuação dos reguladores, mas sim estabelecer parâmetros mínimos de previsibilidade, inclusão e transparência, elementos cruciais para a boa governança.

Entre as recomendações centrais, destacam-se a uniformização da nomenclatura dos mecanismos participativos, a fixação de prazos mínimos adequados também para a coleta de informações em fases iniciais, a exigência de critérios claros e publicidade nas participações restritas a convidados, e a ampliação do dever de resposta para todas as modalidades de participação, ainda que sem caráter vinculante.

Experiências internacionais, como a da União Europeia, mostram que esse caminho é viável. Lá, os processos de “call for evidence”, realizados antes da elaboração de propostas normativas, possuem prazos mais longos do que as consultas sobre textos já finalizados, e sempre geram relatórios públicos de resposta, tratando transparência e responsividade como condições essenciais para uma boa regulação.

Mais do que um ajuste procedimental, a sistematização da participação social é uma estratégia democrática. Ao ampliar as oportunidades de intervenção qualificada, reduzir assimetrias de acesso e fortalecer o diálogo entre Estado e sociedade, a regulação ganha legitimidade, qualidade e confiança pública. Sem regras claras, a participação tende a reforçar desigualdades, mas com instituições bem desenhadas, ela pode cumprir sua promessa de democratizar a produção do direito regulatório e, consequentemente, as políticas públicas.

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