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A prescrição sempre foi um dos pilares do sistema jurídico, funcionando como limite temporal para o exercício de direitos e expressão prática da segurança jurídica. No entanto, no campo tributário, sua aplicação tem provocado debates intensos — especialmente após o julgamento do REsp 1.340.553/RS, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tentou uniformizar o entendimento sobre a prescrição intercorrente nas execuções fiscais.
Sete anos depois, o que se esperava ser um avanço acabou se transformando em nova fonte de insegurança e ineficiência processual.
O que é a Prescrição Intercorrente e Qual Sua Função
A prescrição intercorrente ocorre quando, mesmo após o ajuizamento da execução fiscal, o processo fica paralisado por inércia da Fazenda Pública durante o período previsto em lei.
Em outras palavras, não basta mover a ação: o Estado deve atuar de forma diligente para cobrar o crédito tributário. Caso contrário, perde o direito de fazê-lo — exatamente como ocorre com qualquer cidadão que deixa de agir dentro do prazo legal.
No Direito Tributário, essa regra é ainda mais rigorosa. O Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a prescrição extingue não apenas a ação de cobrança, mas também a própria obrigação tributária. Assim, o objetivo é evitar que o contribuinte fique indefinidamente sujeito à cobrança de débitos antigos, garantindo previsibilidade e estabilidade nas relações jurídicas.
A Previsão Legal da Prescrição Intercorrente
A Lei de Execução Fiscal (LEF), em seu artigo 40, positivou o instituto da prescrição intercorrente, determinando que, diante da inércia da Fazenda após a suspensão do processo, deve ser reconhecida a extinção do crédito.
O STJ, ao longo dos anos, consolidou entendimento de que o reconhecimento dessa prescrição depende de dois fatores:
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O decurso do prazo legal (critério objetivo);
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A inércia do exequente (critério subjetivo).
É exatamente nessa segunda condição — a análise da “inércia” — que surgem as maiores controvérsias. Afinal, como medir a inércia da Fazenda Pública? Qual é o limite entre a atuação mínima e o abandono do processo?
Os Efeitos do Julgamento do REsp 1.340.553/RS
Em 2018, o STJ buscou encerrar as divergências ao julgar o REsp 1.340.553/RS sob o rito dos recursos repetitivos. Foram fixadas cinco teses com o intuito de padronizar a aplicação da prescrição intercorrente nas execuções fiscais.
No entanto, o resultado foi o oposto do esperado. As teses acabaram criando novos espaços de interpretação, levando advogados, juízes e procuradores a discutirem não mais o texto da lei, mas o alcance e os limites da própria jurisprudência do STJ.
O Problema da Interrupção Retroativa da Prescrição
Entre as teses fixadas, uma em especial gerou forte reação na comunidade jurídica: a possibilidade de interrupção retroativa da prescrição intercorrente.
Segundo o entendimento do STJ, se a Fazenda Pública formular um pedido que, futuramente, venha a resultar em citação válida ou em penhora efetiva, essa medida interrompe retroativamente a prescrição, a contar da data do protocolo do pedido.
Na prática, isso significa que mesmo após o prazo prescricional já ter transcorrido, se algum ato posterior se mostrar frutífero, considera-se que a prescrição nunca ocorreu.
Um exemplo emblemático foi o do AREsp 2619243/PE: uma execução fiscal iniciada em 2002, na qual a Fazenda requereu penhora em 2007 — nunca efetivada. Mais de uma década depois, em 2018, o pedido foi finalmente cumprido. O STJ entendeu que a penhora tardia interrompeu retroativamente a prescrição, como se o tempo não tivesse passado.
As Consequências Práticas: Um “Salvo-Conduto” para a Fazenda Pública
Esse raciocínio cria uma distorção grave. Basta à Fazenda apresentar uma simples petição — mesmo genérica — solicitando algum ato de constrição para evitar a prescrição, ainda que o processo permaneça parado por muitos anos.
Com isso, o ônus da morosidade do Judiciário passa a recair sobre o contribuinte, que permanece indefinidamente sujeito à cobrança, enquanto o Estado é beneficiado por sua própria ineficiência.
Essa lógica afronta diretamente o princípio da segurança jurídica e esvazia o propósito da prescrição, que é justamente impedir a eternização das demandas. O entendimento do STJ, ao vincular a interrupção a um evento futuro e incerto, fragiliza a previsibilidade que deveria reger o sistema tributário.
Por Que o STJ Precisa Reavaliar Seu Entendimento
É inegável que o Poder Judiciário enfrenta sérios problemas de lentidão processual, mas transferir esse ônus ao contribuinte não é a solução.
Cabe ao STJ — guardião da uniformidade da jurisprudência — estabelecer critérios mais objetivos e prazos claros para definir a atuação diligente da Fazenda Pública, evitando que execuções fiscais tramitem por décadas sem desfecho.
Um modelo mais equilibrado garantiria:
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Segurança jurídica para o contribuinte;
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Racionalidade na cobrança de créditos tributários;
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Eficiência no uso da máquina judiciária.
Conclusão
A prescrição intercorrente é um mecanismo essencial para a estabilidade das relações tributárias e para a eficiência da Justiça Fiscal. Contudo, o atual entendimento do STJ, ao permitir interrupções retroativas e relativizar a inércia da Fazenda Pública, enfraquece a confiança no sistema jurídico e perpetua a insegurança que buscava resolver.
Mais do que nunca, é preciso revisitar as teses firmadas, com foco em restabelecer o equilíbrio entre o direito de cobrança do Estado e o direito do contribuinte à segurança jurídica.
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