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Impacto Netflix: Condecine Remessa pode taxar remessas de VOD no Brasil? Entenda o precedente do STF e o futuro do streaming.

Sala moderna de reunião com computadores, telas e gráficos, representando a condecine remessa e o setor audiovisual

Tempo de leitura: 5 minutos

O cenário tributário brasileiro está em efervescência com a discussão sobre a aplicabilidade da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine Remessa) sobre as empresas de video on demand (VOD).

Plataformas gigantes como a Netflix, que remetem valores significativos ao exterior, estão no centro deste debate que pode redefinir a tributação do setor de streaming no país.

A controvérsia surge da semelhança com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) tecnologia, cuja cobrança sobre remessas internacionais já foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Especialistas apontam que a não tributação das empresas de VOD pode gerar desigualdades e impactos negativos no setor audiovisual, conforme análise jurídica especializada.

O Precedente da Cide Tecnologia e a Condecine Remessa

A Cide é um tributo com o objetivo de equalizar economicamente agentes de um mesmo setor, buscando dirimir desigualdades e auxiliar no planejamento econômico do setor privado.

É fundamental que ela siga o princípio da referibilidade, que garante que os recursos arrecadados beneficiem o próprio setor que os gerou, sendo essencial para sua caracterização válida, como apontado por especialistas.

Em uma decisão marcante, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no Recurso Extraordinário 928.943 (Tema 914) que a Cide tecnologia incide sobre remessas ao exterior feitas por empresas de video on demand, como a Netflix.

O fundamento foi que esses rendimentos estão no campo de incidência da Cide tecnologia, conforme a Lei nº 10.168/2000, abrindo um precedente importante para a discussão atual.

Diante disso, surge a dúvida sobre a incidência da Condecine Remessa, prevista no parágrafo único do artigo 32 da Medida Provisória 2.228-1/2001. Essa operação de remessa, em princípio, pode ensejar a cobrança dessa exação.

Isso porque o fato gerador, o valor remetido para o exterior, é semelhante ao da Cide Tecnologia e provém de empresas que exploram a atividade audiovisual no Brasil.

A similaridade com o Imposto de Renda e a própria Cide tecnologia reforça a tese da aplicabilidade da Condecine Remessa. A cumulação entre Cide e outros tributos sobre a mesma base de cálculo, mesmo que por entes tributantes iguais ou diferentes, nunca foi declarada inconstitucional pelo STF, o que valida a possibilidade de cobrança.

A Caracterização do VOD como Atividade Audiovisual e a Referibilidade

O video on demand (VOD) é amplamente reconhecido como um segmento de mercado do setor audiovisual, com previsão inclusive em normas infralegais.

A literatura especializada, como aponta Camila Sanson Pereira Bastos (2018, p. 56), identifica quatro formas de prestação do serviço de VOD ao usuário final, confirmando sua inserção e relevância neste mercado.

Se a renda remetida ao exterior decorre de modelos de VOD como assinatura, conteúdo gratuito ou compra de conteúdo único, é evidente que esse rendimento provém da exploração da atividade audiovisual no Brasil.

Assim, a Condecine Remessa deveria incidir, de acordo com o artigo 32, parágrafo único da MP 2.228-1/2001, direcionando recursos para o fomento do próprio setor.

A referibilidade, princípio que exige que a Cide beneficie o setor que a originou, é claramente observada neste contexto. A incidência da Condecine Remessa sobre rendimentos específicos do setor audiovisual, remetidos por empresas que atuam nele, cumpre esse requisito fundamental, destinando os recursos ao fomento da própria indústria.

Isonomia e Neutralidade Tributária: O Dilema das Empresas de VOD

No setor audiovisual, a TV aberta e a TV paga já estão sujeitas, em regra, à Condecine Remessa quando remetem valores ao exterior decorrentes de sua atividade econômica no Brasil.

Existem, inclusive, isenções específicas para esses segmentos, conforme os incisos VII e X do artigo 39 da MP 2.228-1/2001, o que evidencia um tratamento diferenciado.

A não cobrança da Condecine Remessa das empresas de video on demand pode violar o princípio da isonomia tributária, que prega a igualdade de tratamento fiscal.

Isso criaria uma desigualdade em relação a empresas que atuam no mesmo domínio econômico, como as de TV paga e TV aberta, que competem pelo mesmo público e mercado relevante.

Além disso, a ausência de tributação conferiria uma vantagem competitiva indevida às empresas de VOD, resultando em menor custo tributário. Tal cenário desrespeitaria o princípio da neutralidade tributária, fazendo com que uma Cide, que deveria equalizar desigualdades, acabe por agravá-las no setor.

Capacidade Contributiva e o Contexto Global da Tributação Digital

Empresas de tecnologia, incluindo as de video on demand como Netflix, Amazon e Apple, frequentemente apresentam faturamentos e lucros muito superiores a outras empresas tradicionais.

A ausência de tributação sobre suas remessas transnacionais viola a capacidade contributiva e a igualdade na tributação da renda, princípios caros ao sistema tributário.

Em nível mundial, há um movimento crescente para tributar a economia digital, com propostas como a Digital Service Tax (DST) e o Plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting).

Essas iniciativas buscam combater o planejamento tributário agressivo e equalizar os desarranjos causados pela inovação operacional dessas empresas no campo tributário global.

A não cobrança da Condecine Remessa de empresas de VOD no Brasil, em um contexto de altas rendas, pode ir contra esse movimento global e os princípios de justiça fiscal.

A administração tributária tem o dever de cumprir a tributação, especialmente quando o debate está também no âmbito do Projeto de Lei 8.889/2017, já aprovado na Câmara e em análise no Senado.

Se provocado, o STF deverá analisar a questão considerando não apenas a referibilidade da Cide, mas também princípios como igualdade, neutralidade e capacidade contributiva, conforme o artigo 145, § 3º da Constituição Federal de 1988.

A decisão terá um impacto significativo no futuro da tributação do setor audiovisual no país, buscando assegurar que a Condecine Remessa cumpra sua função constitucional de fomento e equalização.

Leia: Reforma Tributária e o Impasse dos Dividendos: Por Que a Antecipação é Juridicamente Impossível e o que Empresas Devem Fazer Agora?

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