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O Tribunal de Justiça de São Paulo reafirma que a posse de um veículo é estabelecida pelo negócio jurídico de compra e venda, e não pela formalidade burocrática da transferência no Detran.
A questão da propriedade de moto e outros veículos no Brasil ganhou um novo e importante capítulo. Uma recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) estabeleceu um marco crucial para compradores e seguradoras.
O entendimento é claro: a propriedade de um veículo se consolida no momento da aquisição, independentemente da transferência registral no órgão de trânsito. Esta posição reforça a segurança jurídica de quem compra de boa-fé, mesmo diante de complicações posteriores.
A decisão, divulgada em 6 de dezembro de 2025, pode redefinir a forma como o mercado e as instituições financeiras lidam com a titularidade de bens móveis, especialmente a propriedade de moto.
O Caso que Levou à Decisão Judicial
Uma mulher adquiriu uma motocicleta por meio de uma plataforma de vendas na internet, com seu antigo proprietário. Ela adiantou uma parte do dinheiro e combinou o pagamento do restante quando o vendedor transferisse a moto para o nome dela.
Contudo, o vendedor agiu de má-fé, registrando um boletim de ocorrência alegando que a moto foi furtada e acionando o seguro. A compradora, então, fez seu próprio boletim explicando sua versão e denunciou o vendedor por falsa comunicação de crime.
Além disso, a compradora de boa-fé ajuizou uma ação contra a seguradora, buscando manter a posse da moto, uma vez que a empresa se recusava a transferir a propriedade de moto para ela.
A Controvérsia entre Compradora e Seguradora
A seguradora contestou a ação, alegando ser a verdadeira compradora de boa-fé e pedindo a improcedência do pedido da mulher, além da entrega da moto. A empresa também sugeriu um possível conluio entre a mulher, seu companheiro e o vendedor originário, com comunicação falsa de furto para recebimento de indenização do seguro.
No entanto, na primeira instância, o juiz reconheceu a mulher como proprietária e determinou que a moto fosse passada para o seu nome. A seguradora recorreu da decisão, sustentando suas alegações de conluio e má-fé.
O Entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo
Para os desembargadores do TJ-SP, o registro no órgão de trânsito não é o que valida o negócio jurídico de compra e venda. Como foi comprovada a compra por parte da mulher, ela se tornou proprietária da moto antes dos fatos subsequentes, como o suposto furto.
A relatora, Beatriz de Souza Cabezas, destacou que a comunicação posterior de furto e o pagamento da indenização à seguradora não convalidam a alienação realizada por quem já não detinha o domínio. Ela explicou a situação legal:
“A posterior comunicação de furto e o pagamento da indenização à seguradora não convalidam a alienação realizada por quem já não detinha o domínio. Não se trata, pois, de venda a non domino com proteção excepcional ao terceiro de boa-fé, mas de ineficácia objetiva da transferência posterior porque ausente poder de disposição do alienante, à míngua de título hábil”. O advogado Wallacy Santana defendeu a compradora com sucesso, e o recurso da seguradora foi negado.
Implicações para Compradores e o Mercado de Veículos
Esta decisão do TJ-SP traz uma importante segurança jurídica para quem adquire um veículo, seja um carro ou uma propriedade de moto, reforçando que a boa-fé na transação de compra e venda prevalece sobre a burocracia registral. O entendimento é que a efetivação da compra e venda é o que define a propriedade, e não o registro formal no Detran.
Isso significa que, em casos de disputas, o contrato de compra e venda e a prova da aquisição podem ser decisivos para determinar o real proprietário, protegendo o comprador de boa-fé contra fraudes e ações de má-fé de terceiros ou vendedores. A ruling pode impactar a forma como seguradoras lidam com sinistros e transferências de veículos, exigindo uma análise mais profunda das circunstâncias da compra antes do registro.
