Reforma Tributária: O Impacto da LCP 214 Para Prestadores de Serviços de Saúde

Reforma Tributária: O Impacto da LCP 214 Para Prestadores de Serviços de Saúde

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A Reforma Tributária trouxe mudanças significativas para todos os setores da economia brasileira, e os prestadores de serviços de saúde não ficaram de fora. A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e a posterior Lei Complementar nº 214/2025 definiram novas bases para a tributação do setor, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Mas, afinal, o que muda na prática para hospitais, clínicas, laboratórios e profissionais da saúde?

Novo regime tributário e o setor da saúde

A LCP 214/2025 consolidou a criação do IBS e da CBS como tributos sobre o consumo, com abrangência sobre bens e serviços. Para os serviços de saúde, isso significa que todas as operações onerosas — como consultas, exames, internações, entre outros — passam a ser tributadas por essas novas modalidades, salvo exceções expressas.

Segundo o art. 4º da LCP 214, a CBS (de competência da União) e o IBS (de competência compartilhada) incidem sobre qualquer fornecimento de serviços com contraprestação. Isso inclui desde a prestação de serviços médicos até atividades laboratoriais e hospitalares.

Regime específico para planos de saúde

Um dos pontos mais sensíveis da reforma foi o tratamento tributário dos planos de assistência à saúde. A EC 132/2023, no §6º do art. 156-A, inciso II, autoriza que a lei complementar estabeleça um regime específico para o setor. A LCP 214, por sua vez, confirma a possibilidade de alterações em alíquotas, regras de creditamento e base de cálculo para esse segmento, inclusive permitindo a tributação sobre a receita ou faturamento.

Ou seja, planos de saúde podem ser submetidos a regras diferenciadas, não necessariamente alinhadas com o regime geral de não cumulatividade. Isso cria um cenário de maior complexidade e atenção para operadoras e contratantes.

Crédito tributário e não cumulatividade

Um dos princípios centrais do novo sistema é a não cumulatividade. Assim, o prestador de serviço de saúde poderá se creditar dos tributos pagos em etapas anteriores da cadeia (compra de insumos, equipamentos, serviços terceirizados etc.). No entanto, há ressalvas importantes.

A LCP 214 traz a possibilidade de restrição ao crédito em determinadas situações, especialmente no regime específico. Se o prestador de saúde estiver em um regime favorecido (como o Simples Nacional), os créditos do adquirente podem ser limitados, como previsto no art. 156-A, §3º da EC 132.

Local da operação e destino da arrecadação

Outra mudança relevante é a definição do local da operação. De acordo com o art. 11 da LCP 214, para a maioria dos serviços de saúde, considera-se o local da prestação ou o domicílio do adquirente. Isso afeta diretamente a repartição da receita tributária, que será direcionada ao Estado e Município de destino.

Para clínicas com operações interestaduais ou que atendem pacientes de outras localidades (ex: telemedicina), esse ponto será crucial na apuração do imposto devido e na sua alocação correta.

Impacto para clínicas e profissionais autônomos

Profissionais autônomos da saúde — como médicos, fisioterapeutas e psicólogos — também serão afetados, especialmente se organizados como pessoa jurídica. A LCP 214 define que qualquer prestação de serviço onerosa está sujeita à incidência do IBS e da CBS, desde que caracterizada como atividade econômica habitual (art. 21, inciso I).

No entanto, há exclusão expressa para serviços prestados por pessoas físicas em relação de emprego (art. 6º, inciso I), o que protege vínculos trabalhistas formais da nova carga tributária.

Possibilidades de imunidade e isenção

Algumas entidades do setor de saúde podem manter a imunidade tributária, como hospitais beneficentes e organizações sociais, desde que atendam aos requisitos do art. 9º da LCP 214. Isso inclui atuação sem fins lucrativos e regularidade documental conforme o Código Tributário Nacional.

Vale ressaltar que a imunidade se aplica apenas às operações próprias dessas entidades, não alcançando aquisições de bens e serviços por elas realizadas.

Redução de Base de Cálculo e Alíquota para Serviços de Saúde

A LCP 214/2025 prevê expressamente que os serviços de saúde estão sujeitos à redução de 60% da alíquota do IBS e da CBS.

Isso equivale, na prática, a uma redução da carga tributária aplicável ao setor. Essa redução se aplica sobre a base de cálculo cheia da operação, mas com alíquotas efetivas menores.

Exemplo prático:

  • Supondo uma alíquota-padrão combinada de 26,5% (IBS + CBS),

  • Um hospital ou clínica médica pagaria apenas 40% disso, ou seja:

    • Alíquota efetiva: 10,6% (26,5% × 40%)

✅ Essa redução vale automaticamente para os códigos de classificação tributária que envolvem serviços de saúde listados em regulamento, como:

  • Consultas médicas;

  • Exames laboratoriais;

  • Procedimentos ambulatoriais e hospitalares;

  • Terapias e reabilitação.

Comparativo: Sistema Atual x Reforma

Situação Regra Atual (ISS + PIS/COFINS) Pós-Reforma (IBS/CBS com Redução)
Alíquota comum de clínica médica ISS (2% a 5%) + PIS/COFINS (3,65% ou 9,25%) Alíquota efetiva de até 10,6%
Regime cumulativo (sem crédito) Comum em clínicas de pequeno porte Novo sistema é não cumulativo
Redução automática? Não existe Sim, 60% de redução da alíquota

Conclusão: atenção redobrada na gestão tributária

A Reforma Tributária traz um novo paradigma para os prestadores de serviços de saúde. Se, por um lado, a promessa é de simplificação e transparência, por outro, as exigências de conformidade aumentam. A correta apuração do IBS e da CBS, o entendimento sobre regimes diferenciados e o aproveitamento de créditos tributários exigirão atenção contínua e, possivelmente, ajustes estruturais e contratuais.

Empresários da saúde, contadores e gestores devem buscar atualização constante e, se necessário, apoio especializado para garantir conformidade e otimização fiscal.

Leia: O Que Muda na Prestação de Serviços Interestaduais Com a Reforma Tributária