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Especialistas alertam para a inconstitucionalidade e a complexidade de incluir IBS e CBS nas bases de cálculo de ICMS, ISS e IPI, frustrando as promessas de simplificação e um sistema mais justo.
A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 marcou o início de uma nova era para o sistema tributário brasileiro, prometendo simplificação e eficiência. Contudo, junto com as mudanças, ressurge uma discussão histórica e indesejada: a incidência de 'tributo sobre tributo'.
Este debate centraliza-se na possibilidade de os novos tributos, IBS e CBS, comporem as bases de cálculo do ICMS, ISS e IPI, um cenário que, se concretizado, pode inaugurar uma nova onda de litígios judiciais. A expectativa é que essa sobreposição contrarie frontalmente o espírito da reforma.
Conforme advogados do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em artigo recente, essa questão é a "antítese da simplificação" e juridicamente indefensável, configurando um retrocesso no avanço pretendido para o sistema tributário nacional.
Vício Formal no Processo Legislativo da Reforma
A tramitação da PEC nº 45/2019, que se tornou a EC nº 132/2023, teve um percurso peculiar. Inicialmente, o texto aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados previa expressamente que o IBS não integraria a sua própria base de cálculo, nem a do Imposto Seletivo, ICMS, ISS e CBS.
Posteriormente, o Senado expandiu essa vedação, incluindo também o IPI, PIS, Cofins e CBS-importação. No entanto, ao retornar à Câmara, houve uma supressão da parte que vedava a inclusão do IBS e CBS nas bases de cálculo do ICMS, IPI e ISS.
Essa alteração crucial não retornou ao Senado para nova aprovação, resultando na promulgação da emenda com um vício formal insanável. Tal ato viola o §2º do artigo 60 da Constituição Federal, que exige discussão e votação em ambas as Casas do Congresso.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), como visto nas ADI 2.666, ADI MC 2.238, ADC 3 e ADI 3308, é pacífica ao exigir rigor nesse rito legislativo. A supressão da vedação não pode ser considerada uma alteração superficial, mas sim uma mudança relevante que afeta a essência do sistema tributário, aumentando significativamente a carga tributária.
A Controversa Cobrança de 'Tributos por Fora'
Além do vício formal, a pretensão fiscal de incluir o IBS e a CBS nas bases dos impostos antigos incorre em uma inconstitucionalidade material. O IBS e a CBS são tributos calculados 'por fora', ou seja, não integram suas próprias bases de cálculo e são adicionados ao preço de venda, representando receita do estado, não do fornecedor.
As bases de cálculo do ICMS ('valor da operação') e do ISS ('preço do serviço') devem se referir à contraprestação econômica que remunera o fornecedor. Sendo o IBS e a CBS tributos 'por fora', eles não se encaixam nessa definição de contraprestação.
Em uma situação similar, a Lei Kandir já estabelece que o IPI, por ser não cumulativo e calculado 'por fora', não integra a base de cálculo do ICMS na maioria dos casos. Se essa lógica já se aplica ao IPI, não há fundamento para admitir a inclusão do IBS e da CBS, que possuem sistemática semelhante.
Ignorar essa sistemática e forçar a inclusão dos novos tributos nas bases dos antigos configura uma ampliação ilegal da base de cálculo por via interpretativa, violando diretamente o princípio da legalidade, previsto no artigo 150, I, da Constituição Federal, que exige lei para a criação ou aumento de tributos.
Antítese da Simplificação e Novos Contenciosos
A incidência de 'tributo sobre tributo' é a antítese do que a reforma tributária prometeu em termos de simplificação. Essa prática gera uma complexidade de cálculo desnecessária, exige parametrizações sistêmicas onerosas e, inevitavelmente, fomenta um novo e massivo contencioso judicial.
A reforma, idealizada para racionalizar o sistema e reduzir a litigiosidade, já corre o risco de nascer alimentando uma nova 'tese do século' de disputa em massa, frustrando o ideal de um ambiente tributário mais enxuto e previsível.
Adicionalmente, a transparência, um dos pilares da reforma, seria comprometida. O IBS e a CBS, calculados por fora e destacados no documento fiscal, visam justamente permitir que o consumidor saiba o valor exato dos tributos. Permitir que ICMS, IPI e ISS incidam sobre esses valores tornaria o sistema obscuro, embutindo um custo fiscal oculto no preço de venda.
Por fim, a neutralidade tributária, que busca evitar ônus fiscal adicional aos contribuintes, também seria violada. A sobreposição de incidências resulta em um aumento artificial de tributos, penalizando cadeias produtivas mais longas e distorcendo a formação de preços, exatamente os problemas estruturais que o novo sistema foi projetado para eliminar.
A Urgência de uma Solução para Evitar o 'Tributo sobre Tributo'
Diante do iminente início do período de transição, com o estado de Pernambuco já formalizando sua posição pela inclusão do IBS e CBS na base de cálculo do ICMS, ISS e IPI, conforme a Resolução de Consulta nº 39/2025 (31/10/25), a situação se torna ainda mais urgente.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 16/25, em tramitação na Câmara dos Deputados, busca assegurar a exclusão expressa do IBS e da CBS das bases de cálculo dos 'antigos' tributos sobre o consumo. Contudo, suas perspectivas de votação não são claras.
A resolução célere e definitiva dessa questão, seja por intervenção legislativa ou pela necessária manifestação do Poder Judiciário, é fundamental. Isso garantirá que a transição da reforma tributária avance rumo a um sistema mais simples, justo e eficiente, evitando a instauração de um novo e massivo contencioso tributário.