Left-Handed Girl | Crítica do filme de Sean Baker, de Anora

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Se você não soubesse de antemão que Left-Handed Girl é o primeiro trabalho solo de direção de Shih-Ching Tsou, jamais imaginaria isso enquanto assiste ao filme. Esta pequena produção de coração gigante vem, afinal de contas, com a marca de uma artista. Alguém com uma voz própria. Não é um acidente – a cineasta taiwanesa é uma colaboradora de longa data de Sean Baker, produzindo filmes como Projeto Flórida e Red Rocket ao lado do vencedor do Oscar por Anora, além de dirigir, junto com ele, Take Out em 2004.

Aqui, Baker é produtor, montador e roteirista, junto com Tsou, mas talvez o maior efeito de seu nome – especialmente dado o feito histórico que vimos no último Oscar – venha na hora de vender o projeto para uma distribuidora ocidental, porque na execução, Left-Handed Girl é sem dúvidas fruto de sua diretora. É claro que o gosto dos dois responsáveis pela história – onde acompanhamos as lutas diárias, pessoais e financeiras de uma mãe e suas duas filhas – é semelhante, e Baker é um dos melhores artistas quando se trata de dirigir mulheres, particularmente mais jovens, na atualidade, mas é fácil notar a mão da realizadora segurando o iPhone que filmou cada momento desse divertido, emocionante e tão cuidadoso trabalho moderno de narrativa.

Esta, no caso, começa com o retorno de Shu-Fen (Janel Tsai) a Taipei. Lá, enquanto sua filha mais velha e rebelde I-Ann (Ma Shih-yuan) arranja um emprego num estabelecimento questionável, ela abre uma lojinha de ramen num mercado noturno. Se as duas vivem momentos de stress, a pequena I-Jing (Nina Yeh) ainda desfruta da inocência da infância, e encontra em seu novo cotidiano – particularmente nos brinquedos e atrações do mercado, como a lojinha de Johnny (Brando Huang), um comerciante bem interessado em Shu-Fen – novos ambientes, pessoas e coisas para descobrir. Uma dessas descobertas vem na visita à casa dos avós, onde ela escuta uma visão conservadora e ultrapassada sobre o uso da mão esquerda: ela é a “mão do diabo”, e não deve ser usada.

Canhota, I-Jing interpreta a expressão como uma desculpa para fazer (e pegar) o que bem entender, já que tudo pode ser culpado no coisa-ruim. Não foi ela, diz a menina quando questionada, foi ele. As presepadas da garota rendem as melhores risadas do filme, particularmente quando ela acidentalmente salva uma parente da cadeia, mas a pulsação de Left-Handed Girl existe também no fim de adolescência revoltado e intenso de I-Ann, uma jovem que trocou notas altas no colegial por uma vida trabalhando cedo devido a razões mais complicadas do que pensam seus ex-colegas. Juntas, as duas criam uma dinâmica energética que encontra um contraste perfeito no realismo das batalhas de Shu-Fen para manter as faturas, e suas emoções, sob controle.

O texto de Tsou e Baker usa essas divergências para gerar faíscas justamente porque enxerga cada uma das protagonistas, independente de suas idades e personalidades, como uma mulher completa, tridimensional e digna da atenção da câmera de smartphone usada para dar a Left-Handed Girl uma característica tão rústica quanto íntima, algo que é potencializado pela direção de fotografia superexposta e colorida de Chen Ko-chin e Kao Tzu-Hao, assim como pela sensibilidade pop da montagem do próprio Baker. No centro disso tudo estão três atuações cujas vibrações distintas se encaixam perfeitamente, incluindo um trabalho apaixonante e surpreendente de mírim Yeh.

Combinados, esses elementos permitem que Tsou traga à vida o cheiro e as texturas de uma cidade tão frenética e interessante quanto suas novas habitantes. Left-Handed Girl descobre Taipei como um local de pessoas frequentemente preocupadas com dinheiro, expectativas e família. Num toque particularmente importante da cultura local, a diretora trabalha a fundo a questão unicamente – e universalmente – feminina da reputação, encontrando nas três mulheres oportunidades de explorar e questionar dogmas impostos unicamente sobre filhas, até mesmo por suas mães. Tudo isso ganha ainda mais força com a reta final impactante da história, que não termina oferecendo um fechamento perfeito para cada integrante do trio, mas sim reconhecendo a continuidade de suas vidas, ainda cheias de desafios e amores. Estes são encenados através de relacionamentos sempre bagunçados, e sempre – sempre – humanos.





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