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"O livro todo é uma farsa". É assim que o escritor, documentarista e aventureiro Raphael Erichsen define "O Enigma de Akakor – Farsas e Segredos na Floresta Amazônica", seu novo livro que investiga uma lenda bizarra da Amazônia: a cidade de Akakor, perdida no meio da selva, mas na verdade criada por um alemão que se passava por indígena e chancelada por figuras como o escritor suíço Erich von Daniken e o mergulhador francês Jacques Cousteau.
A obra é um mergulho em um universo de picaretagem, mortes suspeitas e teorias conspiratórias que atraíram aventureiros do mundo todo para a Amazônia nos anos 1970 —e que, de certa forma, ecoam até hoje, nesses tempos de fake news e negacionismo.
No centro da trama está Tatunka Nara —na verdade Gunter Hauck, que, segundo a obra, é um ex-estivador alemão que, procurado pela polícia por não pagar pensão à ex-mulher e filhos, fugiu para o Brasil e inventou uma biografia digna de Hollywood.
"Ele dizia ser filho de uma alemã com um índio, o príncipe da tribo Ugha Mongulala, responsável por liderar 2.000 nazistas e 10 mil guerreiros indígenas na conquista da Amazônia", afirma Erichsen.
A história não tinha pé nem cabeça. "Jamais existiu uma tropa de 2.000 nazistas na região", diz o autor. Mas o conto foi suficiente para atrair figuras como o jornalista alemão Karl Brugger, que em 1976 lançou o livro "A Crônica de Akakor", com prefácio de Erich von Daniken —o famoso autor de "Eram os Deuses Astronautas?".
"Brugger queria escrever um livro de sucesso, igual ao von Daniken. E Tatunka queria ser personagem dessa história", conta Erichsen. A obra rodou o mundo, em diversas línguas, e transformou o "indígena" em uma celebridade.
Até Jacques Cousteau teria caído no conto. "Tenho um livro do Cousteau na Amazônia no qual Tatunka aparece como guia indígena. Na época, ele nem se vestia como indígena. Aparece de camisa polo nos vídeos."
O mito de Akakor não ficou só no campo das histórias absurdas. Pelo menos três pessoas morreram em expedições à procura da cidade perdida nos anos 1970, após lerem o livro de Brugger: a alemã Christine Helser e os aventureiros John Reed e Herbert Wanner.
Com pistas como reportagens televisivas e jornais do século passado, entrevistas com envolvidos e viagens a Machu Picchu e a Manaus, Erichsen se embrenha no mistério como um Indiana Jones fake dos anos 2020.
Boa parte do mistério estava encaixotado no arquivo do documentarista Jorge Bodanzky, que formou dupla com Brugger nos anos 1970 ao trabalhar em reportagens para a TV pública alemã ZDF.
O próprio Brugger teve um fim trágico: foi assassinado em um assalto no Rio de Janeiro em 1984. Já Tatunka, hoje com cerca de 85 anos, segue vivo em Barcelos, cidade do Amazonas.
Bodanzky, que nos últimos anos trabalhou com Erichsen em uma série de projetos, até tenta demover o pupilo das investigações, mas não consegue. Tudo isso é descrito no livro, narrado pelo ponto de vista do rapaz aventureiro.
Um dos capítulos mais surreais do livro envolve as supostas "pirâmides amazônicas", tema de uma reportagem de revista Veja em 1980. "A revista financiou um voo para procurá-las. Só que eram montanhas comuns, vistas de ângulos que sugeriam formato piramidal", diz Erichsen.
Para o autor, porém, o caso Akakor vai além de uma simples farsa. "A gente acredita no que quer acreditar. Em pirâmides, terraplanismo ou fake news", afirma. "O livro é sobre como as mentiras se perpetuam, e por que caímos nelas."
E a cidade perdida? "Akakor, Akanis... Era tudo invenção. Mas até hoje tem documentário sendo feito sobre isso, inclusive um da HBO", conta. Para Erichsen, a lição é clara: "No fim, todo mundo que se envolveu nessa história —inclusive eu— tem interesses duvidosos. Brinquei muito com a linha entre realidade e ficção no livro, porque essa é a essência do caso."