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A nova Lei 15.270/2025 impõe um dilema fiscal e societário às empresas, ao exigir a aprovação de dividendos em um prazo que contraria a legislação brasileira, gerando uma complexa impossibilidade jurídica.
A recente reforma da tributação dos dividendos, introduzida pela Lei 15.270/2025, desencadeou uma significativa controvérsia no cenário jurídico brasileiro.
A legislação condiciona a manutenção da isenção do Imposto de Renda sobre lucros apurados até o ano-calendário de 2025 à aprovação de sua distribuição até 31 de dezembro do mesmo ano.
Contudo, essa exigência, que parece meramente operacional, revela-se, na prática, incompatível com a estrutura obrigatória do direito societário brasileiro, conforme análise de um especialista do Romeu Amaral Advogados na área tributária.
O Dilema da Lei 15.270/2025
O ordenamento jurídico brasileiro estabelece uma cronologia rigorosa e inderrogável para a apuração e destinação dos lucros. Segundo os artigos 132 e 133 da Lei nº 6.404/1976, a deliberação sobre a destinação do lucro líquido e a distribuição de dividendos é uma competência privativa da assembleia geral ordinária.
Essa assembleia deve ser realizada nos quatro primeiros meses subsequentes ao encerramento do exercício social, um procedimento que demanda o fechamento do exercício, a elaboração das demonstrações financeiras, sua disponibilização prévia aos sócios ou acionistas e, se aplicável, uma auditoria independente.
A exigência de que a aprovação da distribuição de dividendos ocorra até 31 de dezembro de 2025 impõe às empresas uma condição que não pode ser legalmente cumprida. Em 31 de dezembro, o exercício social ainda está em andamento, não havendo lucro líquido definitivamente apurado, balanço fechado ou demonstrações consolidadas.
A Inviabilidade Jurídica da Antecipação
A antecipação da deliberação, além de ser tecnicamente inviável, viola normas societárias de ordem pública, expondo os administradores à responsabilidade pessoal e podendo levar à nulidade do ato deliberativo. Este problema não se restringe apenas à esfera societária, pois ao condicionar um benefício fiscal ao descumprimento de regras cogentes do direito empresarial, a Lei nº 15.270/2025 cria uma antinomia normativa insuperável.
Tal situação compromete seriamente a segurança jurídica das operações. A legislação tributária não tem o poder de alterar o conteúdo, o alcance ou o regime jurídico de institutos de direito privado, conforme expressamente vedado pelo artigo 110 do Código Tributário Nacional. Assembleias, prazos e competências societárias não são elementos que o legislador tributário possa livremente conformar.
Antinomia Normativa e Segurança Jurídica
O efeito prático dessa exigência é submeter as empresas a uma escolha impossível. Ou elas cumprem a legislação societária e sofrem a tributação sobre lucros gerados sob um regime de isenção, ou violam as regras societárias para preservar o tratamento fiscal anterior. Em ambos os casos, há um prejuízo significativo, seja financeiro ou jurídico, com potencial impacto sobre a governança corporativa, a responsabilidade de administradores e o planejamento empresarial.
Diante desse cenário, uma interpretação que ganha força é a de que a exigência de aprovação até 31 de dezembro deve ser lida de forma sistemática e conforme o ordenamento jurídico. O objetivo é preservar a regra de transição pretendida pelo legislador, a não tributação de lucros já apurados, sem impor o descumprimento de normas societárias obrigatórias, como aponta o especialista do Romeu Amaral Advogados.
A Solução do Judiciário e Perspectivas
Sob essa ótica, a aprovação válida da distribuição de dividendos ocorreria nos prazos legalmente previstos para a assembleia geral ordinária, mesmo que realizada no exercício seguinte. Essa leitura já vem sendo acolhida pelo Judiciário em decisões recentes, inclusive com deferimento de medidas de urgência para afastar a exigência literal da lei.
O Judiciário reconhece que o direito não pode exigir aquilo que é juridicamente impossível. O tema tende a se consolidar como uma das principais discussões do período de transição da nova tributação dos dividendos, com reflexos diretos para sociedades empresárias, associações, administradores e investidores, marcando um ponto crucial na reforma da tributação dos dividendos no Brasil.