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A recente Solução de Consulta Cosit nº 161/2025 da Receita Federal do Brasil trouxe importante segurança jurídica para os escritórios de advocacia que operam sob arranjos de parcerias ou indicações. Ela valida, para fins de tributos federais, a exclusão da parcela de honorários que é repassada ao parceiro — desde que a parceria esteja formalizada. Com isso, o escritório centralizador não precisa tributar o valor total da nota fiscal, apenas a parte que efetivamente lhe cabe. Mas, como toda norma nova, exige atenção especial a procedimentos, documentação, emissão de notas fiscais e obrigações acessórias.
Neste artigo, vamos destrinchar o que a Solução de Consulta determina, quais são os requisitos, os reflexos para IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, e quais cuidados os escritórios precisam adotar para mitigar riscos tributários.
1. Contexto: parceria na advocacia e a Lei 14.365/2022
O § 9º do art. 15 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) foi incluído pela Lei nº 14.365/2022 e estabelece que:
“A sociedade de advogados (…) deverá recolher seus tributos sobre a parcela da receita que efetivamente lhes couber, com a exclusão da receita que for transferida a outros advogados ou a sociedades que atuem em forma de parceria para o atendimento do cliente.”
Ou seja: o legislador reconheceu que, na advocacia, há arranjos de parceria (por exemplo, indicação de advogado especializado ou sociedade parceira) que implicam repasse de honorários e que essas parcelas não precisam compor a “receita bruta própria” da sociedade centralizadora.
Antes dessa norma, havia insegurança sobre a tributação completa sobre o valor total da nota fiscal emitida pelo escritório que recebia integralmente os honorários — mesmo se já partilhasse com outro advogado ou sociedade parceira.
2. O que determina a Solução de Consulta Cosit 161/2025
Alguns dos principais pontos da Solução de Consulta:
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O contribuinte (sociedade de advogados) optante pelo regime de lucro presumido que atua em “parceria por indicação” pode reconhecer como receita bruta própria apenas a parcela dos honorários que lhe couber, conforme contrato previamente firmado.
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Os valores repassados ao parceiro indicante podem ser excluídos da base de cálculo de tributos como IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e COFINS, desde que observadas as normas tributárias e as normas da OAB.
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Ao aplicar essa exclusão, a Receita reconheceu que tal prática não viola o art. 123 do Código Tributário Nacional – que impede que convenções privadas alterem base de cálculo –, porque a exclusão decorre de norma específica (o § 9º do art. 15 da Lei 8.906/94) e não de simples acordo contratual.
3. Reflexos práticos para IRPJ, CSLL, PIS e COFINS
IRPJ e CSLL (lucro presumido)
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No regime de lucro presumido, a base de cálculo da IRPJ e da CSLL é determinada pela receita bruta da pessoa jurídica e aplicação de percentuais fixos. A Solução de Consulta permite excluir da “receita bruta” o valor repassado ao parceiro indicante.
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Assim, se um escritório emite a nota por R$ 100.000,00, e repassa R$ 30.000,00 ao parceiro indicante, ele pode tributar apenas sobre R$ 70.000,00 – desde que os requisitos sejam atendidos.
PIS/Pasep e COFINS (regime cumulativo)
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No regime cumulativo, a base de cálculo é o faturamento (receita bruta) da pessoa jurídica. A Solução confirma que a exclusão da parcela repassada ao parceiro também se aplica para PIS/Pasep e COFINS no regime cumulativo.
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Importante: a parcela da retenção na fonte desses tributos (quando houver) só poderá ser aproveitada proporcionalmente à receita reconhecida como própria.
4. Principais requisitos e cuidados operacionais
Para que o benefício da segregação de receitas seja efetivo – e seguro do ponto de vista fiscal –, é fundamental que o escritório observe os seguintes cuidados:
a) Formalização do contrato de parceria ou indicação
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Deve haver contrato de prestação de serviços com o cliente e contrato de parceria entre a sociedade centralizadora e o parceiro indicante, conforme os Provimento 204/2021, Provimento 112/2006 e Provimento 70/2016 da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
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O contrato de parceria deve ser averbado à margem do registro da sociedade ou da unipessoal no Conselho Seccional da OAB, conforme exigido.
b) Atendimento direto ao cliente por ambas as partes
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A Solução de Consulta destaca que a regra se aplica quando “houve atuação conjunta” – ou seja, o parceiro indicante deve ter participado efetivamente (indicando cliente, participando do atendimento ou sendo habilitado para tal). Se uma das partes atuar somente como contratada sem contato com o cliente, a segregação pode ser questionada.
c) Documentação contábil e fiscal robusta
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Embora a Solução de Consulta tenha rejeitado alguns questionamentos específicos sobre emissão de notas fiscais e detalhamento dos repasses por considerá-los “ineficazes” na consulta, isso não exime o contribuinte da obrigação de manter documentação organizada.
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Recomenda‑se emissão de nota fiscal pelo valor integral (ou outro modelo a ser definido conforme entendimento do escritório e do município/estado), e posteriormente registro contábil do repasse ao parceiro; ou, alternativamente, emissão parcial – porém com risco de questionamento se não estiver bem justificado.
d) Retenções na fonte e aproveitamento proporcional
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Caso tenha ocorrido retenção na fonte (IRRF, CSLL, PIS/COFINS) sobre o valor total, o aproveitamento do crédito ou dedução somente será possível na proporção do valor efetivamente tributado pela sociedade.
e) Verificação de obrigações municipais e estaduais
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Apesar de a Solução tratar de tributos federais, é importante que o escritório verifique o tratamento para o imposto municipal ou estadual (por exemplo o ISS — imposto sobre serviços) e para as obrigações acessórias locais (“nota fiscal de serviço”, domicílio tributário, alíquotas, retenções municipais).
5. Vantagens e desafios da aplicação
Vantagens
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Redução da carga tributária ao tributar apenas a parte que efetivamente cabe ao escritório.
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Maior segurança jurídica à estrutura de parcerias de advocacia, pois a Receita Federal formalizou entendimento favorável.
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Alinhamento entre o tratamento contábil/fiscal e a estrutura real da receita da sociedade (evita tributar “receita de terceiros”).
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Melhora da competitividade do modelo de parceria e indicação de advogados.
Desafios
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Exige disciplina contábil, controles internos e documentação contratual adequada.
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A Solução de Consulta não respondeu a todas as dúvidas, especialmente emissões de notas fiscais fracionadas e impacto em ISS ou regimes locais.
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Escritórios que aplicavam modelo antigo podem precisar adaptar procedimentos e revisar contratos/contabilidade.
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Atenção para regimes distintos (lucro real, simples nacional) – a Solução se refere ao lucro presumido e regime cumulativo de PIS/COFINS, não necessariamente cobrindo todos os cenários.
Conclusão
A Solução de Consulta Cosit nº 161/2025 representa um importante avanço na tributação das parcerias entre sociedades de advogados, ao reconhecer que a base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS deve corresponder apenas à parcela da receita que efetivamente pertence à sociedade centralizadora. Contudo, a aplicação prática exige que o escritório cumpra requisitos formais e mantenha documentação robusta — desde o contrato de parceria aver‐bado na OAB até a escrituração contábil dos repasses. Em função disso, é recomendável que os escritórios revisem seus contratos, alinhem modelos de emissão de nota fiscal e treinem a equipe contábil para garantir a conformidade. Com base sólida, a parceria deixa de gerar riscos de bitributação ou questionamentos fiscais e passa a ser ferramenta eficiente dentro da advocacia moderna.
Se você atua em modelo de parceria ou está pensando em implementá‑lo, avalie agora: seus contratos refletem o modelo? Sua contabilidade está preparada? Uma revisão antecipada pode evitar surpresas.
Aproveite esse momento para envolver seu contador ou auditor tributário e revisar o modelo de parceria — sua segurança tributária pode depender disso.
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