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Os Correios recebem empréstimo de R$ 12 milhões, mas enfrentam rombo bilionário e má gestão crônica. Entenda a crise da estatal, da queda de lucros à concorrência.
O governo federal oficializou, por meio do Diário Oficial, um empréstimo de R$ 12 milhões concedido aos Correios, em uma operação fechada com um consórcio formado por Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander.
O contrato tem prazo de 15 anos, juros próximos à Selic e destinação genérica: capital de giro, investimentos estratégicos e despesas do plano de reestruturação.
À primeira vista, o valor pode parecer modesto. Mas o contexto é devastador: os Correios acumulam prejuízos superiores a R$ 6 bilhões apenas até setembro de 2025, com projeção de chegar a R$ 10 bilhões até o fim do ano. Diante disso, a pergunta inevitável surge: o problema dos Correios é falta de crédito — ou excesso de má gestão?
De lucro recorde ao colapso financeiro em poucos anos
O histórico recente da estatal revela uma trajetória que beira o absurdo gerencial:
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2020: lucro de R$ 1,53 bilhão
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2021: lucro recorde de R$ 3,7 bilhões
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2022: prejuízo de R$ 809 milhões
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2023: prejuízo de R$ 596,6 milhões
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2024: prejuízo de R$ 2,6 bilhões (quatro vezes maior que o ano anterior)
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2025: prejuízo acumulado de R$ 6 bilhões até setembro, com risco real de R$ 10 bilhões no fechamento do exercício
Em apenas quatro anos, os Correios passaram de uma empresa lucrativa para uma estatal em estado pré-insolvência operacional. Nenhuma companhia privada sobreviveria a esse ciclo sem uma mudança radical de gestão.
Empréstimo não resolve ineficiência estrutural
O discurso oficial tenta vender o empréstimo como instrumento de “reestruturação”. Na prática, ele funciona como analgésico financeiro: alivia momentaneamente o caixa, mas não trata a doença.
A empresa já anunciou:
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Programa de demissão voluntária,
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Fechamento de agências,
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Venda de imóveis para “equilibrar as contas”.
Ou seja, o ajuste recai novamente sobre trabalhadores, estrutura física e patrimônio público, enquanto as decisões estratégicas que levaram ao colapso permanecem praticamente intocadas.
Concorrência venceu — e os Correios assistiram
Durante décadas, os Correios dominaram o mercado de encomendas, chegando a deter cerca de 50% do setor. Hoje, esse número caiu para aproximadamente 25%.
O motivo é claro:
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Falta de investimento em tecnologia,
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Logística ultrapassada,
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Pouca integração digital,
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Incapacidade de competir com ecossistemas eficientes como Amazon e Mercado Livre.
Enquanto o mercado evoluiu para entregas rápidas, rastreáveis e integradas a marketplaces, os Correios permaneceram presos a um modelo estatal lento, caro e pouco inovador.
O colapso dos serviços tradicionais era previsível
Outro erro clássico de gestão foi insistir em receitas que claramente estavam em declínio.
O envio de:
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cartas,
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telegramas,
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comunicações físicas
despencou com a digitalização da sociedade. E-mails, aplicativos e plataformas digitais substituíram esses serviços. Ainda assim, os Correios demoraram anos para adaptar seu modelo de negócio, apostando em um mercado que já estava morrendo.
Políticas públicas que agravaram o rombo
A estatal também sentiu fortemente os efeitos do programa Remessa Conforme, que passou a taxar compras internacionais de até US$ 50.
O resultado foi imediato:
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queda no volume de importações,
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redução drástica de encomendas internacionais,
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perda estimada de R$ 2,2 bilhões em receita apenas em 2024.
Mais uma vez, a empresa não conseguiu se antecipar nem se adaptar a uma mudança regulatória previsível.
Despesas judiciais e o peso da ineficiência
Além da queda de receitas, os Correios convivem com:
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aumento expressivo de provisões para contingências judiciais,
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custos elevados de transporte,
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contratos ineficientes,
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estrutura inchada.
Tudo isso compõe um cenário em que o prejuízo não é fruto do acaso, mas de decisões gerenciais sistematicamente equivocadas.
O fantasma do Postalis: um rombo que nunca desapareceu
A crise dos Correios não pode ser analisada sem mencionar o Postalis, fundo de previdência complementar criado em 1981 para proteger os empregados da estatal.
Entre 2011 e 2016, o Postalis tornou-se símbolo nacional de:
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má gestão,
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investimentos temerários,
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falta de governança.
Foram adquiridos títulos de alto risco, inclusive ligados a Venezuela e Argentina, gerando um rombo bilionário. O caso foi alvo da Operação Greenfield e da CPI dos Fundos de Pensão.
Em 2017, houve intervenção da Previc.
E, em 2024, os Correios foram obrigados a aportar R$ 7,6 bilhões para evitar a insolvência do fundo. A outra metade do prejuízo foi empurrada para os próprios trabalhadores, com:
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descontos de até 23% nos contracheques,
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redução de benefícios,
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impacto em aposentadorias, pensões e até no 13º.
É o retrato de um sistema onde o erro da gestão nunca é pago por quem decide, mas por quem trabalha.
A pergunta que fica: até quando?
O empréstimo de R$ 12 milhões não muda o essencial. Ele apenas adia o inevitável debate sobre:
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governança,
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profissionalização da gestão,
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modelo de negócio,
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responsabilidade por decisões ruins.
Sem reformas profundas, os Correios continuarão presos a um ciclo perverso: prejuízo, socorro estatal, corte de direitos, nova dívida — e tudo recomeça.
O problema não é falta de dinheiro.
É excesso de erros que ninguém parece disposto a corrigir.