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O “espólio” do ICMS na Reforma Tributária: como o acúmulo de créditos pode virar um problema e a necessidade de um planejamento estratégico
A Reforma Tributária traz mudanças significativas para o sistema tributário brasileiro, e um dos pontos de atenção é o tratamento dos créditos acumulados de ICMS. Historicamente, o ICMS gera créditos para os contribuintes, que são valores apropriados na entrada de mercadorias e utilizados para abater débitos futuros. Contudo, a complexidade e a burocracia do sistema muitas vezes resultam em um acúmulo desses créditos, um verdadeiro "espólio" que pode se tornar um grande desafio com a nova legislação.
Esses créditos, embora legítimos, podem se transformar em um problema de liquidez para as empresas. A natureza não cumulativa do ICMS, que permite o abatimento de impostos pagos em etapas anteriores, é a base para a geração desses saldos credores. No entanto, anomalias tributárias e processos administrativos lentos para a "monetização" desses créditos criam um gargalo que afeta a competitividade e a operação de diversos negócios no país.
A situação já é preocupante em alguns estados. Em São Paulo, por exemplo, o volume de créditos acumulados atingiu a marca de R$ 9 bilhões em 2025, triplicando em relação ao período anterior, conforme noticiado pelo Valor Econômico. Este cenário demonstra a urgência em encontrar soluções para o gerenciamento desses valores, especialmente diante das novas regras que se aproximam com a Reforma Tributária.
O Fim do ICMS e o Destino dos Créditos Acumulados
Com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Comitê Gestor, a Reforma Tributária visa extinguir o problema histórico dos créditos acumulados de ICMS. No entanto, a grande questão reside em como será tratado o "espólio" desses créditos quando o ICMS for extinto e o IBS estiver em plena vigência. A Emenda Constitucional nº 132/2023 estabelece que, ao final do período de transição, em 31 de dezembro de 2032, todos os saldos credores de ICMS deverão ser homologados pelos respectivos entes federativos, sendo esta uma condição indispensável para sua utilização.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024 detalha ainda mais esse processo. Ele determina que os pedidos de homologação deverão ser protocolados em até cinco anos, a partir de 1º de janeiro de 2033. Os estados terão um prazo de 24 meses para analisar esses pedidos, com possibilidade de prorrogação por igual período. A homologação pode se tornar tácita em caso de omissão do ente federativo, mas isso não impede fiscalizações futuras.
Novas Regras, Novos Desafios: Aproveitando os Créditos
Uma vez homologados, os créditos de ICMS poderão ser utilizados de diferentes formas. Eles poderão ser compensados com débitos de ICMS pretéritos, ou seja, dívidas antigas de ICMS. Outra possibilidade é a compensação com débitos de IBS, mas em um prazo extenso de até 240 parcelas mensais, o que equivale a 20 anos. A transferência desses créditos a terceiros também será permitida, mas sob regras bastante restritivas. O ressarcimento, por sua vez, só será admitido se for comprovada a impossibilidade de compensação e poderá ocorrer em até 20 anos.
Adicionalmente, o PLP 108/2024 prevê que, a partir de 1º de fevereiro de 2033, os saldos credores de ICMS serão atualizados pela variação mensal do IPCA. Este índice, inferior às taxas de juros praticadas no mercado, representa um desestímulo econômico para os contribuintes que possuem esses créditos acumulados, tornando o cenário de recuperação desses valores ainda mais longo e desfavorável.
Planejamento Estratégico: A Chave para o Futuro
Diante desse cenário de longo prazo e economicamente desfavorável, torna-se **essencial um planejamento tributário estratégico**. O objetivo deve ser duplo: interromper o acúmulo de novos créditos de ICMS e, ao mesmo tempo, buscar o aproveitamento eficiente dos saldos já existentes. Essa medida é crucial para a preservação do fluxo de caixa e a manutenção da competitividade empresarial a partir de 2033.
Diversos instrumentos jurídicos já disponíveis podem ser decisivos nesta etapa de transição. Entre eles, destacam-se a obtenção de regimes especiais que autorizem a suspensão ou diferimento do ICMS, a proposição de medidas judiciais para compelir a análise ou compensação imediata dos créditos acumulados, e a utilização desses créditos no pagamento de débitos fiscais. A adesão a programas de conformidade tributária, a criação de novas atividades econômicas que permitam o aproveitamento do saldo, o planejamento societário estratégico para viabilizar a utilização dos créditos e, por fim, um planejamento tributário focado no escoamento eficiente dos valores são outras estratégias importantes.
Em resumo, a Reforma Tributária prevê um tratamento para os créditos de ICMS que pode ser demorado e economicamente menos vantajoso. Antecipar-se para estancar o acúmulo e utilizar os créditos já existentes é uma medida estratégica indispensável para preservar o fluxo de caixa e a competitividade. Adiar essa reação pode sair caro e, em muitos casos, ser tarde demais para reverter a perda de valor desses ativos. O momento de agir é agora, com um planejamento bem estruturado e a utilização das ferramentas jurídicas disponíveis.