ISS fixo para sociedade uniprofissional limitada: o que decidiu o STJ (Tema 1323)

ISS fixo para sociedade uniprofissional limitada: o que decidiu o STJ (Tema 1323)

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O recente pronunciamento da 1ª Seção do STJ no Tema 1323 firmou tese muito relevante: a simples adoção da forma societária limitada não impede que uma sociedade uniprofissional seja tributada pelo ISS à alíquota fixa, conforme previsto no Decreto‑Lei 406/1968 (art. 9º, §§ 1º e 3º). A decisão traz maior segurança jurídica às sociedades de profissionais (médicos, advogados, engenheiros etc.) que usam a estrutura de limitada, mas ainda exercem sua atividade com caráter pessoal e técnico.

A seguir, explico o contexto, a fundamentação, os limites da aplicação e os impactos práticos dessa decisão.


Contexto da controvérsia

  • Muitos municípios editam leis que vedam o regime de ISS fixo para sociedades profissionais que adotem a forma limitada, argumentando que isso descaracterizaria o caráter pessoal da prestação de serviço — transformando-a em atividade empresarial.

  • Em São Paulo, por exemplo, a Lei 17.719/2021 instituiu alíquotas progressivas de ISS para sociedades uniprofissionais, com base no faturamento e no número de sócios habilitados, afastando o regime fixo — medida que foi questionada judicialmente.

  • Por sua vez, no plano federal, o Tema 918 do STF já firmou que é inconstitucional lei municipal que imponha impedimentos à aplicação do regime de tributação fixa do ISS para sociedades profissionais (ao menos no caso dos advogados).

  • O Decreto‑Lei 406/1968 (arts. 9º, §§ 1º e 3º) disciplina que certas sociedades profissionais podem recolher o ISS por valor fixo (um montante atribuível a cada profissional habilitado), em vez de aplicar a alíquota sobre o preço do serviço.

Frente a essas situações conflituosas, o STJ decidiu submeter o tema ao rito dos recursos repetitivos, como Tema 1323.


Tese firmada pelo STJ: os requisitos do regime fixo

No julgamento, o relator (Ministro Afrânio Vilela) enfatizou que o ponto decisivo não é o tipo societário, mas a essência da prestação profissional. A tese fixada diz:

“A adoção da forma societária de responsabilidade limitada pela sociedade uniprofissional não constitui, por si só, impedimento ao regime de tributação diferenciada do ISS por alíquota fixa, nos termos do art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto‑Lei 406/68, desde que observados cumulativamente os seguintes requisitos:

I. prestação pessoal dos serviços pelos sócios;
II. assunção de responsabilidade técnica individual; e
III. inexistência de estrutura empresarial que descaracterize o caráter personalíssimo da atividade.”

Esses três requisitos devem coexistir para que a sociedade uniprofissional limitada possa se beneficiar do regime fixo.

Ou seja: mesmo sendo limitada, se os sócios de fato prestarem os serviços pessoalmente, responderem tecnicamente e não houver caráter empresarial (estrutura administrativa ou comercial robusta que vá além do exercício pessoal), pode ser aplicada a tributação fixa.

No caso concreto, o STJ concluiu que a sociedade impugnante não atendia a esses requisitos — especialmente porque já fora reconhecida a existência de estrutura empresarial — e manteve a cobrança do ISS no regime comum.


Limites e cautelas

  1. Estrutura empresarial descaracterizadora
    Se a sociedade adotar organização típica de empresa (vários níveis administrativos, hierarquia, funcionamento mais complexo) pode perder o caráter pessoal da atuação — e, assim, não se encaixar no regime fixo.

  2. Prova do atendimento aos requisitos
    O contribuinte deve demonstrar que exerce profissionalmente a atividade, que há responsabilidade técnica individual e que não há desvirtuamento à estrutura empresarial.
    Em sua sustentação, o município alegou que o ônus da prova é do contribuinte (art. 150, § 6º, CF; art. 111, CTN).

  3. Aplicação restrita
    A decisão não significa que toda sociedade limitada de profissionais automaticamente terá direito ao ISS fixo. Será necessário análise concreta dos autos.

  4. Suspensão de processos
    Com o tema afetado, todos os processos (recurso especial ou agravo em recurso especial) que tratem dessa hipótese estão suspensos enquanto a tese permanece pendente de julgamento final no mérito.


Relação com o Tema 918 do STF

O Tema 918 do STF já consolidou tese de repercussão geral de que é inconstitucional lei municipal que institui impeditivos ao regime de tributação fixa do ISS para sociedades profissionais (ao menos como aplicável às sociedades de advogados).

Isso impede que municípios criem obstáculos locais (como exigências de faturamento mínimo, alíquotas progressivas ou restrições societárias) incompatíveis com o decreto‑lei federal 406/68.

O STJ, no Tema 1323, complementa essa proteção ao dizer que a forma limitada por si só não pode ser considerada impeditiva legal válida — desde que respeitados os requisitos centrais.


Impactos práticos e orientações

  • Advogados, médicos, engenheiros, contadores etc. que tenham sociedades limitadas podem pleitear o regime fixo de ISS, desde que possam demonstrar o cumprimento dos requisitos traçados.

  • Municípios não podem mais simplesmente negar o regime fixo com base no tipo societário limitado, sob pena de violação à lei federal e à jurisprudência vinculante.

  • Contudo, cada município terá que examinar se há norma local que cria impedimentos ou exigências contrárias ao decreto‑lei.

  • Os profissionais devem organizar a estrutura societária de forma que não descaracterize a atividade pessoal, evitando excessiva burocracia empresarial que descaracterize o caráter personalíssimo da prestação.


Conclusão

A decisão do STJ no Tema 1323 representa um avanço importante rumo à segurança jurídica dos profissionais que optam pela sociedade limitada: o regime de ISS fixo pode ser aplicado, mesmo nessa forma societária, desde que mantido o núcleo da prestação pessoal, técnica e sem traços empresariais estruturados. Porém, não é automático: o contribuinte tem que demonstrar, processo a processo, que os requisitos estão satisfeitos.

Enquanto a tese não transita em julgado, muitos processos seguem suspensos — mas as teses firmadas no STF e no STJ criam uma base forte para futuros pleitos favoráveis.

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