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Suspensão de voos isola a Venezuela e frustra viagens de milhares de reencontros familiares no fim de ano após tensões com os EUA
Companhias aéreas cancelam rotas para Caracas, transformando sonhos de Natal em angústia para venezuelanos que tentavam voltar para casa e reacendendo o debate sobre o isolamento do país.
Milhares de venezuelanos que vivem no exterior tiveram seus planos de reencontro familiar para as festas de fim de ano interrompidos de forma abrupta. A suspensão de voos para a Venezuela, em meio a novas tensões políticas com os Estados Unidos, deixou famílias em uma combinação amarga de incerteza, tristeza e impotência.
Viagens organizadas com meses de antecedência, passagens compradas ainda no primeiro semestre, malas prontas e expectativas altíssimas acabaram substituídas por cancelamentos em cima da hora. O impacto não é apenas logístico, é emocional, especialmente quando envolve crianças, idosos e famílias que já convivem há anos com a distância.
O episódio ganhou força após um alerta da Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA) e declarações do presidente Donald Trump, conforme informações divulgadas pela CNN Brasil.
Sonhos de Natal desfeitos pela crise aérea
Sol, venezuelana que mora em Buenos Aires, preparou cada detalhe da viagem com o marido e as duas filhas para embarcar em 16 de dezembro. O aviso do cancelamento, porém, chegou apenas quatro dias antes da data prevista. A Boliviana de Aviación, segundo repasse feito por meio da agência de viagens, comunicou que os voos não ocorreriam, de acordo com relato dado à CNN Brasil.
O golpe foi ainda mais duro por causa da filha mais velha, de 7 anos, que contava os dias para rever a avó em Caracas. Do outro lado, a família também se preparava: a mãe de Sol havia montado a árvore de Natal, um gesto simbólico, retomado após anos difíceis marcados por uma perda familiar.
A história se repete em diferentes países. Um engenheiro eletrônico, que preferiu não se identificar por receio de represálias, contou que havia comprado passagens da Gol com conexão em São Paulo ainda em junho. Seria sua primeira viagem de retorno desde que deixou a Venezuela em 2019. O plano, segundo ele, era reunir em Caracas parentes que vivem fora do país, um reencontro que agora ficou suspenso, conforme relato à CNN Brasil.
O impacto da instabilidade política e as medidas internacionais
A crise aérea se intensificou no fim de novembro, quando a FAA recomendou que companhias comerciais “redobrassem as precauções” ao sobrevoar a Venezuela e o sul do Caribe. Dias depois, Donald Trump declarou que o espaço aéreo sobre e ao redor do país deveria ser considerado “totalmente fechado”.
A partir daí, companhias começaram a suspender rotas com destino a Caracas. Em reação, o Instituto Nacional de Aeronáutica Civil (INAC), da Venezuela, revogou a concessão de voos da Gol e de outras companhias que aderiram às medidas associadas ao alerta, aprofundando o cenário de isolamento.
Para muitos venezuelanos, a instabilidade política não é novidade e já vinha interferindo em planos de viagem. A conectividade aérea do país, aliás, vem encolhendo há anos. Segundo dados da Associação de Linhas Aéreas (ALAV) da Venezuela, fornecidos à agência EFE, antes do agravamento recente havia 105 voos semanais para 16 destinos, operados por 12 companhias internacionais, um número muito inferior ao de períodos anteriores.
Europa também sente o isolamento
O impacto dos cancelamentos não ficou restrito às Américas. Na Europa, Alessia Starita, de 76 anos, moradora da Itália há mais de uma década, também viu o reencontro de fim de ano ser frustrado. Ela e o marido tinham passagens pela Air Europa, com escala em Madri, para passar o Ano-Novo em Caracas, mas foram informados de que a rota havia sido suspensa, conforme relato à CNN Brasil.
Segundo Alessia, a família resistiu até os últimos dias sem desfazer as malas, esperando uma reversão que não veio. Air Europa, Iberia e Plus Ultra, que operam entre Espanha e Venezuela, ampliaram a suspensão de voos até 31 de dezembro e, na sequência, tiveram licenças suspensas pelo INAC venezuelano.
Para Alessia, o cancelamento teve um peso extra: seus seis irmãos a esperavam em Caracas para o início de 2024, após dois anos sem viajar por causa de um tratamento de saúde. O reencontro, que carregava expectativa e urgência, virou mais um capítulo de adiamento.
A rota terrestre como última esperança para o reencontro
Com o bloqueio aéreo, a fronteira com a Colômbia passou a ser, para muitos, uma das poucas alternativas reais de entrada e saída da Venezuela. Segundo dados da Migração Colômbia, cerca de 2,8 milhões de venezuelanos emigraram para o país na última década. Em terminais rodoviários, a esperança de atravessar por terra cresce, mesmo com o trajeto longo e incerto.
No terminal El Salitre, em Bogotá, venezuelanos se preparam para viagens que somam horas, e às vezes dias, até alcançar pontos de fronteira. Oscar Saúl Lozano Flores, que trabalha na Colômbia, planejava seguir de ônibus até Arauca e depois entrar rumo ao estado de Táchira. Zulema De La Rosa, que vive em Caquetá, organizava a bagagem para viajar até Guárico, onde irmãos e sobrinhos a aguardavam.
Kelsey González, moradora de Cali há sete anos, também tinha Caracas como destino final. Mesmo prevendo dificuldades na fronteira, especialmente pelo excesso de bagagens e pelos custos, ela mantinha a decisão firme de ir, conforme relatou à CNN Brasil.
Enquanto alguns optam pela estrada como saída possível, muitos outros ficaram sem alternativas e terão de passar as festas longe de casa. O sentimento dominante é de angústia e tristeza, alimentado pela nostalgia e pela percepção de que o reencontro, embora desejado e planejado, depende de fatores fora do controle individual. Como resumiu Alessia, em declaração à CNN Brasil, a saudade existe, mas a realidade impõe limites que não se vencem apenas com vontade.