STJ e o Tema 1.137: A polêmica decisão que pode institucionalizar a inadimplência e frear a recuperação de dívidas no Brasil.

STJ e o Tema 1.137: A polêmica decisão que pode institucionalizar a inadimplência e frear a recuperação de dívidas no Brasil.

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A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Tema 1.137, ao validar medidas atípicas de execução com restrições subjetivas, levanta sérias preocupações sobre a institucionalização da inadimplência no país.

A história do processo civil brasileiro convive com um problema crônico: transformar sentenças judiciais em resultado concreto. Por décadas, a máxima de que no Brasil “ganha-se, mas não se leva” virou quase um diagnóstico permanente, repetido por credores, advogados e empresários.

O CPC de 2015 acendeu uma expectativa real de mudança ao introduzir o art. 139, IV, abrindo espaço para medidas executivas atípicas. A proposta era clara: dar ao Judiciário instrumentos para enfrentar o devedor contumaz, aquele que esvazia o patrimônio formal e, ao mesmo tempo, ostenta padrão de vida incompatível com a alegada insolvência.

O julgamento do Tema 1.137 pela 2ª Seção do STJ, porém, foi recebido por parte da comunidade jurídica como uma freada relevante. Embora tenha reconhecido a possibilidade de medidas como apreensão de CNH e passaporte, condicionou sua aplicação a filtros como proporcionalidade, razoabilidade e subsidiariedade sem densificação objetiva, o que, segundo análise jurídica especializada, aumenta a insegurança, multiplica discussões incidentais e pode reforçar a institucionalização da inadimplência.

A promessa do novo CPC e a frustração do Tema 1.137

O CPC/2015 nasceu com ambição de efetividade. O art. 139, IV, foi concebido como um mecanismo de coerção voltado a quem se vale da ocultação patrimonial como estratégia de inadimplência. A lógica era simples: quando os meios típicos não alcançam patrimônio visível, o sistema precisa pressionar o comportamento do devedor para destravar o cumprimento da obrigação.

O Tema 1.137, no entanto, transformou a promessa em algo mais próximo de uma “vitória formal” com efeito prático reduzido. Ao validar as medidas atípicas, mas submetê-las a condições amplas e subjetivas, a tese tende a deixar o juiz de primeira instância sem parâmetros claros e exposto a uma escalada recursal, com questionamentos repetidos sobre o que é, ou não, “proporcional” em cada caso.

A evolução da dívida e a nova realidade do devedor

A ideia de responsabilidade patrimonial é fruto de evolução histórica. O direito deixou, há séculos, de admitir execução sobre o corpo do devedor para firmar o princípio de que o patrimônio é a garantia comum dos credores. O problema é que o século 21 alterou o próprio conceito de patrimônio “visível”.

Hoje, é cada vez mais frequente a dissociação entre patrimônio jurídico e patrimônio fático. O devedor pode viver sob estrutura societária familiar, usufruir bens registrados em nome de terceiros, utilizar veículos por locação, movimentar recursos por meios sofisticados e, ainda assim, apresentar “nada” em seu CPF ou CNPJ. Nessa realidade, a execução clássica, estruturada em penhora e bloqueios patrimoniais tradicionais, falha com facilidade.

Foi nesse cenário que o art. 139, IV, ganhou relevância: não como punição, mas como coerção, ou seja, como instrumento voltado ao futuro, à satisfação do crédito, pressionando a vontade do devedor por meio de restrições funcionais a interesses e comodidades. A distinção entre coerção e sanção é central. Coerção busca o adimplemento; sanção pune o inadimplemento passado. A crítica recorrente ao Tema 1.137 é que, ao tratar as medidas atípicas com um rigor semelhante ao de sanções, a tese reduz a potência do mecanismo que deveria enfrentar a inadimplência estratégica.

As “cegueiras deliberadas” da tese do STJ

A formulação do STJ, em linhas gerais, admite medidas atípicas desde que subsidiárias, com contraditório assegurado, observados proporcionalidade, razoabilidade e adequação ao caso concreto, e vedada violação ao mínimo existencial. Em tese, soa equilibrado. Na prática, a ausência de critérios objetivos cria pontos de atrito que podem paralisar execuções.

O primeiro ponto é o gatilho de aplicação. Em vez de estabelecer indícios minimamente objetivos de ocultação patrimonial, a tese remete à análise casuística. Isso tende a gerar subjetivismo judicial elevado: o que é “prova suficiente” para um magistrado pode ser “suposição” para outro.

O segundo ponto é a subsidiariedade. O que significa “esgotar medidas típicas” em um país com múltiplos sistemas e camadas de pesquisa patrimonial? Sem um marco minimamente delimitado, há risco de se exigir do credor uma prova praticamente impossível da inexistência de bens, empurrando as medidas atípicas para um momento tardio, quando o devedor já teve tempo para reorganizar e blindar ainda mais seus ativos.

O terceiro ponto é a duração. A tese não define prazos de reavaliação, critérios de manutenção ou parâmetros de revisão periódica. Isso pode incentivar revogações precoces sob discursos genéricos de evitar “perpetuidade”, sem enfrentar o dado material de que a dívida persiste, às vezes por anos, enquanto a execução perde força.

O quarto ponto é o ônus da prova. Em muitos casos, recai sobre o credor a necessidade de justificar adequação e proporcionalidade, o que eleva custo e complexidade, aproximando a execução de uma investigação paralela da vida do devedor. O resultado provável é encarecimento do processo e aumento do contencioso incidental.

Impacto econômico e custos sociais da ineficiência

A consequência prática de uma subsidiariedade indefinida é a execução se tornar uma corrida de obstáculos. Exigir “todas” as tentativas típicas pode significar sucessivas pesquisas, reiteradas ordens de bloqueio e diligências que se estendem por tempo excessivo, o que beneficia o devedor que se antecipa, dilapida, negocia com deságio ou aposta na prescrição intercorrente.

Outro efeito é a loteria decisória. A proporcionalidade, sem critérios densos, pode funcionar como justificativa para decisões divergentes em casos semelhantes. Isso enfraquece isonomia e segurança jurídica, justamente em um ambiente que, em tese, deveria ser estabilizado pelo sistema de precedentes.

Sob o olhar da análise econômica do direito, devedores e credores respondem a incentivos. Se o custo esperado da inadimplência diminui, aumenta o estímulo para postergar pagamento. A previsibilidade de que medidas atípicas serão difíceis de manter, e facilmente atacáveis por argumentos padronizados de proporcionalidade e subsidiariedade, tende a reduzir a força dissuasória do sistema.

O reflexo transborda o processo. Inadimplência elevada e recuperação lenta de crédito encarecem o dinheiro. Em mercado com risco maior, o custo é repassado ao conjunto dos tomadores, elevando juros e ampliando o spread. Assim, uma proteção individual ao devedor estratégico pode resultar em penalização coletiva aos bons pagadores.

O paradoxo da proporcionalidade e a ineficácia da execução

Uma crítica recorrente é que o STJ poderia ter estabelecido balizas objetivas para tornar o Tema 1.137 mais aplicável, como parâmetros probatórios mínimos, gradação de medidas (da menos gravosa para a mais severa) e critérios de revisão temporal. Sem isso, cada execução tende a reabrir o debate do zero.

O “mínimo existencial”, por sua vez, é um conceito necessário, mas vago. Sem delimitação, pode ser utilizado como argumento elástico para afastar medidas por conveniência, confundindo conforto com subsistência. Além disso, há um desequilíbrio frequente no discurso: a dignidade do devedor é invocada com força, enquanto a dignidade do credor, que pode depender daquele valor para sobreviver, é tratada como secundária.

Na prática, a decisão impõe um ônus argumentativo alto ao credor. Não basta requerer a medida, é preciso montar um dossiê, demonstrar tentativas prévias, rebater proporcionalidade, enfrentar alegações de mínimo existencial e ainda lidar com a previsível escalada de recursos. Isso encarece, demora e desgasta a execução, que deveria ser orientada à satisfação material do crédito.

Do lado do devedor, abre-se espaço para defesas padronizadas: alegar que a subsidiariedade não foi cumprida, que a medida é desproporcional, que viola o mínimo existencial, e assim sucessivamente. O risco é a execução se tornar ainda mais litigiosa, quando o precedente deveria reduzir litigância.

Ao final, a crítica central é objetiva: validar as medidas atípicas era esperado, mas fazê-lo com filtros amplos e subjetivos pode esvaziar a utilidade do art. 139, IV, no combate ao devedor estratégico. Sem critérios mais claros e previsíveis, permanece o sentimento de que a execução civil segue lenta, incerta e vulnerável à protelação, alimentando, por efeito sistêmico, a institucionalização da inadimplência no Brasil.

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