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Cargo de confiança pode ser uma armadilha jurídica: diretores e gerentes podem perder direitos trabalhistas se os requisitos legais não forem cumpridos. Entenda os riscos.
O mundo do trabalho está em constante transformação, influenciado por dinâmicas globais e pelas exigências do mercado. Nos últimos anos, observamos uma tendência marcante: a horizontalização dos organogramas empresariais. Esse movimento, que busca estruturas menos hierárquicas, trouxe consigo uma série de indagações sobre a verdadeira natureza dos cargos de gestão.
Muitos profissionais foram nomeados diretores e gerentes nesse contexto, o que levanta a pergunta crucial: esses colaboradores realmente detêm o poder de mando e decisão que caracteriza um cargo de confiança? Ou estariam eles enquadrados indevidamente na exceção prevista pelo Artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)?
Essa discussão é vital, pois a classificação como cargo de confiança tem implicações diretas na jornada de trabalho e nos direitos. Conforme informações divulgadas pelo escritório Atarasi Jurca Advocacia, a realidade muitas vezes se distancia do que a lei exige, gerando um cenário de desproteção para muitos trabalhadores.
O Que a CLT Define Como Cargo de Confiança?
Para entender a questão, é fundamental recorrer ao Artigo 62 da CLT. Este artigo estabelece que não estão abrangidos pelo regime de duração do trabalho, que limita a jornada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, os empregados que exercem atividades externas incompatíveis com a fixação de horário, os teletrabalhadores por produção ou tarefa e, primordialmente para este debate, os gerentes, diretores e chefes de departamento ou filial, desde que exerçam cargos de gestão.
Contudo, a legislação impõe dois requisitos essenciais. O primeiro é o subjetivo, que exige que o empregado tenha poder de mando e gestão, atuando como um verdadeiro representante do empregador. O segundo é o objetivo, que determina um acréscimo salarial de no mínimo 40% sobre o valor do salário efetivo do cargo, incluindo a gratificação de função, se houver.
A ausência de qualquer um desses requisitos pode descaracterizar o cargo de confiança, reintegrando o trabalhador ao regime comum de jornada e seus respectivos direitos. Esse ponto é crucial, pois define a exclusão do controle de ponto e, consequentemente, o não pagamento de horas extras, adicional noturno e intervalos.
Da Estrutura Verticalizada à Horizontal: Um Descompasso Legal
O Artigo 62 da CLT, em sua atual redação, entrou em vigor em 1994, em um período marcado por transformações industriais e econômicas no Brasil, impulsionadas pelo Plano Real. Naquela década, a estrutura empresarial predominante era a verticalizada, caracterizada por uma cadeia de comando rígida, múltiplos níveis de hierarquia e decisões concentradas no topo.
Nesse modelo, os gerentes e diretores efetivamente exerciam funções de alta responsabilidade e autonomia, o que justificava a exceção legal. As atribuições eram bem delimitadas e o controle organizacional mais eficiente, especialmente em grandes corporações.
Com o passar dos anos, as empresas passaram a adotar estruturas horizontalizadas, que prometem maior colaboração e redução da hierarquia. Contudo, essa mudança criou um descompasso entre a realidade organizacional e a legislação trabalhista, pois a multiplicação de cargos gerenciais nem sempre veio acompanhada de poder decisório real.
A Realidade Atual: Gestores Sem Poder e Sem Direitos
Apesar da nomenclatura, muitos desses novos “gestores figurativos” são formalmente enquadrados como cargos de confiança, criando uma aparência de autonomia e proximidade com a alta administração. Na prática, porém, essa autonomia inexiste. Esses profissionais seguem submetidos a regras rígidas e decisões centralizadas.
O resultado é um cenário preocupante: gerentes e diretores que trabalham jornadas extensas, inclusive aos domingos, sem intervalos adequados, sem o acréscimo salarial mínimo de 40% e sem o efetivo poder de mando e gestão. À luz da legislação, esses profissionais não atendem aos requisitos subjetivo e objetivo exigidos pela CLT.
Essa falsa distribuição de poder gera frustração e, sobretudo, retirada indevida de direitos trabalhistas, mantendo uma estrutura hierárquica rígida disfarçada por títulos e nomenclaturas modernas.
Jurisprudência Confirma a Descaracterização do Cargo de Confiança
Os tribunais trabalhistas têm reconhecido essa distorção. Diversas ações judiciais resultam na descaracterização do cargo de confiança quando ausentes os requisitos legais. A jurisprudência tem se consolidado nesse sentido.
Decisões dos TRTs da 11ª, 4ª e 9ª Regiões demonstram que a simples nomenclatura de gerente ou diretor não basta. A ausência de poderes de representação e de acréscimo salarial mínimo de 40% é suficiente para afastar o enquadramento no Artigo 62, II, da CLT.
Em um dos casos analisados pelo TRT-9, por exemplo, o acréscimo salarial foi de apenas 14,73%, o que levou à descaracterização do cargo de confiança e ao deferimento de horas extras, reforçando a necessidade do cumprimento simultâneo dos requisitos legais.
Diante desse cenário, o princípio da primazia da realidade assume papel central. Cabe ao advogado demonstrar, por meio de provas documentais e testemunhais, a realidade fática da relação de trabalho, assegurando a efetividade dos direitos do trabalhador que não exerce, de fato, um cargo de confiança pleno.