Doação disfarçada de empréstimo: o que decidiu o STJ e o que isso significa para você

Doação disfarçada de empréstimo: o que decidiu o STJ e o que isso significa para você

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A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento importante: mesmo sem escritura pública ou contrato particular, é possível reconhecer uma doação disfarçada como empréstimo, desde que haja prova consistente da liberalidade (animus donandi) ou de que houve simulação no negócio.

A seguir, explicamos o que isso significa em termos práticos, os pontos-chave da decisão, e como você pode se proteger em situações semelhantes.


O que motivou a decisão

O caso tratava de um ex-cônjuge que alegava ter “emprestado” à esposa parte do valor para aquisição de imóvel durante o casamento, sob regime de separação de bens. Após a venda do imóvel pela mulher, o homem ingressou com ação de cobrança, afirmando que o valor seria reembolsado. Na origem, porém, foi constatado que:

  • os “valores emprestados” nunca foram cobrados;

  • os documentos contábeis do casal mostravam a transferência sob orientação do marido;

  • não havia expectativa de devolução por parte da esposa (donatária).

As instâncias judiciais reconheceram que, apesar da forma apresentada como “empréstimo”, o negócio era, na realidade, uma doação dissimulada, ou seja, havia liberalidade e ausência de obrigação de reembolso. O TJSP manteve essa conclusão.

Ao julgar o recurso especial, o STJ concluiu que: embora o artigo 541 do Código Civil exija escritura pública ou instrumento particular para a doação, essa formalidade não pode beneficiar quem tentou, de má-fé, dissimular o negócio.]


Pontos-chave da decisão

1. Simulação relativa x negócio jurídico válido

  • A simulação relativa ocorre quando as partes formalizam um negócio que difere da realidade jurídica, para evitar impostos ou formalidades.]

  • Nesta hipótese, o negócio subjacente (a doação) é válido, porém disfarçado como empréstimo.

  • O STJ entendeu que impedir o reconhecimento da doação apenas por ausência de formalidade equivocaria, pois beneficiaria a parte que tentou mascarar o negócio.]

2. Importância da prova da liberalidade

  • A doação se caracteriza pela liberalidade: o doador transfere patrimônio sem expectativa de reembolso.

  • No caso, ficou claro que não havia cobrança nem plano de devolução, o que reforça a natureza da doação.]A comprovação do animus donandi é mais relevante do que o instrumento formal quando se trata de averiguar a realidade dos fatos.

3. Formalidades legais e seu papel

  • O artigo 541 do Código Civil exige que a doação seja reduzida a escrito: escritura pública ou instrumento particular.

  • Contudo, o Tribunal entendeu que essa exigência não pode operar como escapatória para quem praticou uma simulação. Ou seja: se há prova de que o negócio foi doação, não pode se rejeitar esse reconhecimento por falta do instrumento formal.

4. Proteção do fisco e de terceiros

  • A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que exigir a formalidade em casos de dissimulação “significaria reconhecer a invalidade da doação” e favorecer “quem tentou se esquivar das obrigações tributárias” ou prejudicar terceiros como adquirentes.

  • Ou seja: a decisão também visa impedir que a formalidade sirva de invólucro para fraudes ou para lesar o Estado ou terceiros de boa-fé.


Consequências práticas e como agir

✔ Para quem transfere bens ou valores:

  • Se realmente pretende doar, o ideal é formalizar a doação por escritura pública ou instrumento particular, conforme exigido por lei.

  • Evite caracterizar o negócio como empréstimo se houver, na prática, ausência de expectativa de reembolso ou cobrança — pois isso poderá ser visto como simulação.

  • Guarde provas claras de que foi liberalidade (por exemplo, ausência de cronograma de pagamento, ausência de cobrança etc.).

✔ Para quem recebe bens ou valores:

  • Atente-se ao regime de bens – no caso analisado, havia regime de separação de bens, o que facilitou a distinção entre patrimônio próprio e do cônjuge.

  • Se for receber valores como “empréstimo”, providencie contrato claro e com cláusulas de reembolso, para evitar que seja caracterizado como doação involuntária.

  • Avalie implicações tributárias – doações têm incidências diversas (ITCMD etc.). Simulações podem ocasionar questionamentos fiscais.

✔ Para quem pretende contestar ou defender:

  • Se pretende alegar empréstimo, é fundamental apresentar provas concretas de que houve efetiva expectativa de reembolso, cobrança ou devolução.

  • Se for alegar doação dissimulada, demonstre os elementos de liberalidade e que a formalidade foi mascarada.

  • A ausência de escritura ou instrumento particular não impede o reconhecimento da doação, em caso de simulação. Portanto, as provas fáticas ganham centralidade.


Conclusão

A decisão do STJ confirma que, no Direito brasileiro, a substância do negócio jurídico prevalece sobre a forma — especialmente quando a forma foi utilizada com intenção de dissimulação. A formalidade da escritura ou do instrumento particular, exigida tipicamente para doações, não poderá servir de escudo para quem a pratica de forma simulada.

Se você atua em negócios patrimoniais envolvendo doações ou empréstimos entre partes, esteja atento: uma redação clara, formalização adequada e transparência dos fatos tornam-se essenciais para prevenir litígios e contingências fiscais.

👉 Chamada à ação: Se você estiver planejando uma transferência de bens ou valores entre familiares ou cônjuges, vale a pena conversar com um advogado especialista em direito civil e tributário para estruturar o negócio corretamente e evitar surpresas.

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