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TCU alerta: Ministério da Cultura afrouxa fiscalização e zera reprovação de contas em leis de incentivo como a Rouanet
Relatório aponta que novas regras da pasta dispensaram análise financeira detalhada da maioria dos projetos culturais, levando a um índice de 0% de reprovação de contas em 2024 e gerando preocupação com a gestão de R$ 21 bilhões.
O Ministério da Cultura promoveu mudanças relevantes em suas normas de fiscalização que, na prática, eliminaram a reprovação de contas irregulares de projetos culturais. A constatação consta em relatório técnico do Tribunal de Contas da União, obtido e divulgado pelo Estadão.
As novas regras atingem projetos financiados por mecanismos como a Lei Rouanet, além das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Segundo o TCU, a flexibilização reduziu o índice de reprovação de contas a 0% em 2024, acendendo um alerta sobre a fiscalização de recursos públicos.
O Ministério argumenta que a mudança busca desburocratizar processos e priorizar o resultado cultural. Contudo, o órgão de controle questiona a segurança do modelo diante de um passivo de quase 30 mil projetos e cerca de R$ 22 bilhões ainda pendentes de análise.
Novas instruções normativas mudam a lógica da fiscalização
Duas instruções normativas, assinadas pela ministra Margareth Menezes em setembro de 2024 e fevereiro de 2025, fundamentaram as alterações. O impacto é mais intenso sobre projetos de pequeno e médio porte, que compõem a maioria do setor cultural.
O que mudou na prática
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Projetos até R$ 750 mil
A avaliação passou a considerar apenas a execução física. Se o evento ocorreu, a prestação de contas é aprovada sem análise financeira detalhada e sem exigência de documentos fiscais. -
Projetos até R$ 5 milhões
A análise financeira limita-se a relatórios financeiros, sem conferência minuciosa de notas fiscais e comprovantes.
Segundo o TCU, esse modelo afasta o controle financeiro efetivo, reduzindo-o à leitura de relatórios, sem verificação concreta da aplicação dos recursos.
95% dos projetos ficaram sem fiscalização financeira aprofundada
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24.994 projetos (95,2%) se enquadram nas faixas beneficiadas pela flexibilização
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Esses projetos envolvem R$ 21,26 bilhões em recursos públicos
“Há uma potencial fragilização nas exigências de avaliação financeira de 95,21% dos processos aprovados”, alerta o relatório.
Para os auditores, trata-se de um claro enfraquecimento do controle, comprometendo a capacidade do Estado de detectar, corrigir e punir irregularidades.
A exigência de dolo e o colapso das reprovações
Na prática, a exigência de intenção deliberada tornou a punição quase inviável.
O efeito foi imediato: análises amostrais da Secretaria de Gestão de Prestação e Tomada de Contas indicaram o desaparecimento total das reprovações, que passaram a 0%.
A reprovação é essencial porque:
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aciona ressarcimento ao erário
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impede novos repasses a projetos irregulares
Mesmo com a flexibilização, o passivo histórico não foi reduzido, revelando problemas estruturais de gestão.
O posicionamento oficial do Ministério da Cultura
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desburocratização
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maior agilidade administrativa
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valorização do resultado cultural
O ministério sustenta que a simplificação permite que produtores foquem na criação e que o Estado analise processos com mais rapidez, afirmando que não há ausência de controle, mas sim um controle orientado a resultados.
Entre eficiência e risco fiscal
O relatório do TCU, contudo, aponta que a busca por agilidade não pode prescindir de controles mínimos, sobretudo quando envolve bilhões de reais em recursos públicos. O debate agora se desloca para um ponto sensível: como equilibrar fomento cultural, eficiência administrativa e responsabilidade fiscal, sem fragilizar os mecanismos de proteção ao erário.