O Fim de uma Era: PL 2.490/22 Corrige Erro Histórico no IR sobre Juros Remetidos ao Exterior e Promete Revolucionar a Tributação Brasileira.

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Uma importante mudança na legislação tributária brasileira está a caminho, com o Projeto de Lei 2.490/2022 seguindo para sanção presidencial. Esta proposição tem como objetivo primordial alterar o Decreto-Lei 401/1968, que há décadas disciplina a retenção e o recolhimento do Imposto sobre a Renda na fonte.

O foco principal é a incidência do IR sobre juros remetidos para o exterior, devidos em razão da compra de bens a prazo, um tema que gerou consideráveis discussões e desafios jurídicos ao longo do tempo, culminando em um “erro de técnica legislativa” que persistiu por quase seis décadas.

A expectativa é que a medida traga maior clareza e harmonia ao sistema tributário, minimizando a judicialização e prestigiando princípios constitucionais como a simplicidade e a justiça fiscal, conforme informações divulgadas por um procurador da Fazenda Nacional, especialista em direito público.

A Origem do Problema: Uma Legislação de 1968

A legislação federal que o PL 2.490/22 pretende modificar está em vigor há quase seis décadas. O Decreto-Lei 401/1968 foi editado em um cenário de ruptura constitucional, no mesmo mês do Ato Institucional 5, e dedicava-se, especificamente nos artigos 8º, 9º, 10, 11 e 13, ao regramento da arrecadação nas fontes do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF).

Antes de 1968, a tributação de juros decorrentes de financiamentos realizados por empresas estrangeiras a companhias brasileiras tinha uma solução jurisprudencial consolidada. Os tribunais entendiam que credores estrangeiros não pagavam o imposto de renda, pois o lucro era gerado fora do Brasil, e os devedores nacionais não eram tributados, pois não obtinham lucro, apenas arcavam com uma despesa operacional.

Conforme sintetizado por Arnoldo Wald em um estudo de 1973, essa conclusão lógica era que “os credores estrangeiros não pagam o imposto de renda, pois o lucro foi produzido fora do Brasil e as empresas estrangeiras, sediadas no Exterior, não são contribuintes do imposto de renda; os devedores nacionais não podem ser tributados, pois não realizam lucro algum, não tiveram rendimento, limitando-se, ao contrário, a arcar com uma despesa operacional”.

Pretendendo combater essa jurisprudência, que se tinha tornado mansa e pacífica, o Decreto-Lei nº 401 de 1968 surgiu para tributar os juros remetidos ao exterior decorrentes da compra de bens a prazo. Este foi um claro exemplo do que hoje se denomina de reação legislativa ao entendimento jurisprudencial dominante, buscando preencher uma lacuna na disciplina normativa de tributação internacional.

Críticas e Desafios Judiciais ao Longo das Décadas

Desde os primeiros anos de sua vigência, a norma em questão já sofria severas críticas de juristas renomados, como Geraldo Ataliba e Ricardo Mariz de Oliveira, que apontavam inconsistências na aplicação do IR sobre juros para o exterior na compra de bens a prazo. Apesar dos questionamentos, o regramento legal resistiu por décadas, superando inclusive a pecha de inconstitucionalidade em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 71.758/GB, em 1973.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o debate sobre o Decreto-Lei de 1968 também foi intenso. Julgamentos marcantes, como o REsp n. 1.480.918/RS em 2017 e o EREsp n. 1.480.918/RS em 2023, no âmbito da 2ª Turma e da 1ª Seção, respectivamente, assinalaram não apenas o dever de entidades imunes de reter o imposto sobre a renda em remessas de juros ao exterior, mas também o que foi denominado de “erro de técnica legislativa” e “impropriedade técnica” do artigo 11.

Alberto Xavier, ao explicar a natureza do tributo sobre os juros em compras de bens a prazo, lecionou que “a utilização do conceito de ‘contribuinte’ para caracterizar o remetente dos juros não passa de simples, embora grosseiro, erro de técnica legislativa, carecedor de pronta interpretação corretiva”. Esta visão reflete a profundidade das falhas percebidas na legislação, que persistiram por um longo período.

No âmbito infralegal, a tributação é disciplinada pelo Regulamento do Imposto sobre a Renda (Decreto 9.580/2018), que no §1º do artigo 761, reproduz a “ficção legal” encartada no parágrafo único do artigo 11 do DL 401/1968, considerando a remessa para o exterior como fato gerador e o remetente como contribuinte.

O Papel da Comissão de Juristas e o Avanço do PL 2.490/22

Diante desse cenário complexo e da necessidade de modernização, uma proposta de anteprojeto de lei foi direcionada à Comissão de Juristas, presidida pela ministra Regina Helena Costa. Esta comissão, criada por ato conjunto dos presidentes do Senado, senador Rodrigo Pacheco, e do STF, ministro Luiz Fux, tinha como objetivo elaborar anteprojetos de proposições legislativas para modernizar o processo administrativo e tributário.

Embora a proposta de alteração do Decreto-Lei 401/1968 extrapolasse o escopo inicial dos trabalhos da comissão, por não ter como foco normas de direito processual, a manifestação apresentada foi validada pelo colegiado. Em seguida, foi abraçada pelo senador Rodrigo Pacheco, sendo formalizada como o Projeto de Lei 2.490/2022.

A Exposição de Motivos 10/2022 detalha a necessidade de sanar a falha de técnica legislativa que, apesar do tempo e da forte aptidão acomodativa, mostrou-se incapaz de ser corrigida sem uma intervenção legislativa. A aprovação do PL 2.490/22 é um passo significativo para que a disciplina normativa do Imposto sobre a Renda de juros remetidos ao exterior, especificamente para compra de bens a prazo, possa ser mais eficiente.

Impacto e Harmonização com o Código Tributário Nacional

O PL 2.490/2022 representa um esforço para promover a harmonia entre uma antiga hipótese de arrecadação na fonte do Imposto sobre a Renda e os ditames, igualmente longevos, do Código Tributário Nacional (CTN), especialmente seus artigos 45 e 121, que tratam da responsabilidade por substituição tributária e do sujeito passivo da obrigação tributária.

A medida busca possibilitar que os mecanismos de arrecadação minimizem a judicialização e prestigiem os princípios constitucionais da simplicidade e da justiça tributária, conforme previsto no artigo 145, § 3º, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 132/2023. A harmonia do sistema tributário deve ser buscada incansavelmente, para que a disciplina normativa seja clara e justa.

Além disso, o projeto aborda a questão do “reajustamento” de que trata o artigo 786 do Regulamento do IR. Este artigo estabelece que, quando a fonte pagadora assume o ônus do imposto, a importância será considerada líquida e caberá o reajustamento do rendimento bruto, salvo nas hipóteses de que trata o § 1º do artigo 761, que é justamente a “ficção legal” do Decreto-Lei 401/1968.

Com a sanção presidencial, espera-se que o PL 2.490/22 traga uma atualização necessária e aguardada, simplificando a aplicação do Imposto sobre a Renda sobre juros para o exterior na compra de bens a prazo e reduzindo a complexidade para empresas e indivíduos envolvidos em tais transações, consolidando um ambiente tributário mais justo e eficiente no Brasil.

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