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Srečno Novo Leto revela a etimologia eslovena que conecta coração e sorte, trazendo um novo significado cultural para começar 2026 com outra visão.
Faltando pouco para o fim do ano, muitos já começam a fazer balanços e planejar o futuro. Enquanto a folhinha de 2025 chega à sua última página, uma descoberta linguística na Eslovênia convida a uma reflexão inusitada sobre o que realmente significa ter sorte e um coração feliz.
Imagine um lugar onde a sorte não é um evento aleatório, mas um estado interior, intrinsecamente ligado ao bem-estar do seu próprio coração. Essa é a realidade etimológica para os falantes do esloveno, uma língua que nos desafia a repensar nossas próprias crenças sobre destino e felicidade.
Essa fascinante perspectiva, conforme revela o escritor e jornalista Edison Veiga, residente em Bled, Eslovênia, desde 2018, surge ao desvendar as raízes da expressão 'Srečno novo leto', o 'Feliz Ano Novo' local.
A Raiz Comum: Coração e Sorte na Eslovênia
No sopé dos Alpes, onde o esloveno é a língua corrente, a palavra para coração, srce, e para sorte ou felicidade, sreča, compartilham a mesma origem etimológica. Essa conexão profunda sugere que, se não na realidade prática, ao menos na linguagem, coração e sorte andam de mãos dadas.
Para Edison Veiga, essa revelação de dezembro, mês de balanços e reflexões, foi um marco. Ele descreve a epifania de tropeçar em raízes proto-eslavas como algo sem utilidade prática imediata, mas profundamente instigante, um motivo para um brinde de fim de ano.
Os etimólogos, que diligentemente exploram antigos dicionários, explicam que a ideia original por trás dessa raiz não era de sorte como mero acaso, mas como um estado interior. Um bom coração, um coração em ordem, alinhado com o mundo, é a base da felicidade e de um destino favorável.
O Contraste Brasileiro: Sorte e Coração em Caminhos Distintos
Em contraste com o esloveno, a língua portuguesa, como todos sabemos, separa claramente coração e sorte. O coração se apaixona, sofre e infarta, enquanto a sorte aparece em uma raspadinha ou, mais raramente, na mega-sena, quase sempre ligada a um boleto vencido.
Se no Brasil coração e sorte fossem parentes próximos, o país teria seguido outro rumo, argumenta Veiga. As loterias poderiam ser administradas pelo SUS, em vez de um banco estatal. As pessoas diriam 'meu coração estava batendo no ritmo certo', em vez de 'tive sorte', e até expressões como 'é teste para cardíaco' teriam outro significado.
Desejar 'boa sorte' no Brasil, muitas vezes, carrega a mesma convicção de 'vamos marcar', ou seja, uma promessa que ninguém leva muito a sério. Há uma aceitação de que a fortuna não deve durar, uma ideia que contrasta com a visão eslovena de um destino favorável construído internamente.
A Filosofia por Trás de um Desejo: O Que 'Srečno' Realmente Significa
Aqui na Eslovênia, desejar 'boa sorte' é dizer 'srečno'. Mas essa palavra, aparentemente simples, carrega uma longa trajetória histórica e um peso filosófico gigantesco. É como se alguém lhe dissesse: 'Que o seu coração não falhe, nem biologicamente nem simbolicamente'.
Essa perspectiva sugere que a felicidade e um bom destino não são acasos externos, mas algo que se constrói por dentro, um alinhamento do coração com o mundo. É uma ideia que destoa das soluções rápidas e parceladas em 12 vezes sem juros que vemos hoje em treinamentos de coaching.
Talvez por essa razão, as pessoas na Eslovênia pareçam menos aflitas em relação ao futuro, observa Veiga. Embora reclamem, como todo europeu decente, há uma noção silenciosa de que não adianta muito torcer pela sorte se o coração estiver fora de prumo. Isso é uma heresia para nós, brasileiros, que sempre apostamos na sorte como quem aposta no último cavalo do páreo.
Reflexões Rabugentas e uma Nova Perspectiva para 2026
A descoberta dessa conexão linguística deixou o autor um pouco rabugento, não com o esloveno, mas com a nossa língua que resolveu separar tudo em 'gavetas estanques': coração de um lado, sorte de outro, felicidade em promoção relâmpago, fortuna só se vier. Depois, reclamamos que nada funciona, e que alguma das gavetas está emperrada de tanto entulho.
É tarde demais para qualquer espírito reformista na língua portuguesa, não dá para decretar que coração também significa sorte e esperar que o país melhore até o carnaval. Contudo, é possível terminar o ano de 2025 com uma ideia incômoda na cabeça: e se a sorte não fosse algo que cai do céu, mas algo que se constrói por dentro?
Embora sem intenção de virar místico ou criar um curso de coaching, Edison Veiga admite que há algo de profundamente irritante, e elegante, em uma língua que sugere que, no fundo, o destino começa no peito. Para 2026, essa reflexão pode ser um guia.
Então, já que é fim de ano e todo mundo anda meio sentimental, ele encerra como aprendeu na Eslovênia: Srečno. Que o coração aguente. E que a sorte, se existir, ao menos saiba onde mora.