CLT de 1943 vs. Lei do Comércio de 2000: O Choque do Descanso Dominical Feminino e a Batalha pela Igualdade no Brasil.

CLT de 1943 vs. Lei do Comércio de 2000: O Choque do Descanso Dominical Feminino e a Batalha pela Igualdade no Brasil.

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As antigas leis trabalhistas sobre o descanso dominical da mulher no comércio reacendem o debate sobre igualdade de gênero, modernização e a força da negociação coletiva no Brasil atual.

Uma antiga regra da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, de 1943, que obriga mulheres a folgarem no domingo subsequente caso trabalhem em um, está em confronto direto com a legislação mais recente do comércio. Essa divergência normativa tem gerado intensos debates sobre a necessidade de adequação das normas à realidade contemporânea do mercado de trabalho.

A questão principal gira em torno da igualdade de gênero e da eficácia das políticas de proteção, que, em vez de beneficiar, podem acabar criando barreiras para as trabalhadoras. O cenário atual exige uma reinterpretação das leis para garantir um ambiente de trabalho mais justo e eficiente para todos.

A discussão sobre o descanso dominical feminino e a igualdade no comércio não é apenas jurídica, mas também social e econômica, impactando diretamente a operação de grandes empresas e a vida de milhares de trabalhadores, conforme análise de um advogado especialista em Direito do Trabalho e consultor jurídico da Fecomércio-RJ.

O Conflito Legal: CLT de 1943 versus Lei do Comércio de 2000

A raiz do problema reside na diferença entre o regime geral da CLT e o regime setorial estabelecido pela Lei 10.101, de 2000. O artigo 386 da CLT, datado de 1943, impõe uma escala de descanso de 1x1 para mulheres que trabalham aos domingos, ou seja, a folga dominical é obrigatória no domingo seguinte.

Em contrapartida, a Lei 10.101/2000, mais recente e específica para o setor do comércio, prevê uma escala de 2x1, que se aplica a todos os trabalhadores, sem fazer distinção de gênero. Este confronto normativo não é apenas conceitual, mas produz efeitos práticos e diretos na gestão de turnos e escalas, especialmente no varejo alimentar.

Para solucionar essa divergência, especialistas argumentam que o critério da especialidade e da posterioridade deve prevalecer, favorecendo a Lei 10.101/2000. Isso se alinha com a Constituição Federal, que repele qualquer distinção arbitrária entre homens e mulheres, conforme seu artigo 5º, inciso I, demandando uma releitura do dispositivo da CLT em chave constitucional.

A Força da Negociação Coletiva e o STF

A modernização das relações de trabalho encontra um forte aliado na negociação coletiva. O Tema 1.046 do Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou o amplo poder normativo das convenções e acordos coletivos, especialmente em temas como horários, escalas, regimes compensatórios e turnos, que estão listados no artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Assim, quando uma convenção ou acordo coletivo estabelece uma escala de 2x1, não há impedimento legal para sua aplicação. Pelo contrário, existe amparo constitucional e legal que valida essa adequação setorial negociada. Essa abordagem reconhece a autonomia das partes e a especificidade de cada setor.

Uma corrente doutrinária minoritária tenta enquadrar o descanso dominical feminino como uma norma de saúde e segurança, buscando o artigo 611-B da CLT para impedir a negociação coletiva. No entanto, essa tese é criticada por ignorar a verdadeira natureza da regra, que se refere à organização da jornada e não a riscos ambientais, além de desconsiderar a evolução social e a Lei 10.101/2000, que é neutra em relação ao gênero.

O Legado de 1943: Proteção ou Discriminação?

Para entender a regra da CLT de 1943, é crucial contextualizar o Brasil daquela década. O país vivia uma estrutura familiar patriarcal, com a mulher muitas vezes excluída de diversas profissões e cargos, e com limitações ao voto e desigualdade civil no casamento, onde o marido era considerado o “chefe da sociedade conjugal”.

A norma visava proteger a mulher não do trabalho em si, mas da exposição ao ambiente fabril e social da época, refletindo uma visão moralizante e desigualitária. Como sintetiza Alice Monteiro de Barros, “A proteção diferenciada da mulher na CLT tem raízes mais morais que técnicas.” Maurício Godinho Delgado complementa, afirmando que “A superproteção pode converter-se em obstáculo ao acesso da mulher ao trabalho.”

Hoje, essa distinção acaba gerando obstáculos operacionais, custos adicionais de escala e complexidade na gestão de turnos. Isso pode levar a uma preferência indireta por homens em funções que exigem trabalho dominical, configurando um risco de discriminação estrutural inversa. A própria reforma trabalhista de 2017, pela Lei 13.467, reconheceu essa necessidade de atualização ao revogar o antigo artigo 384 da CLT.

Brasil na Contramão do Mundo e o Caminho para a Modernização

O cenário internacional mostra que nenhuma economia relevante mantém mais distinções de descanso semanal baseadas em gênero. Países da União Europeia, da América Latina e os Estados Unidos regulam o descanso semanal sem discriminações, indicando que o Brasil se encontra em uma anomalia histórica que não se sustenta mais diante das práticas globais e dos princípios de igualdade.

A solução técnica e constitucional para essa questão passa por três pilares fundamentais. Primeiro, a prevalência da Lei 10.101/2000, uma norma setorial, moderna e isonômica. Segundo, a valorização da negociação coletiva, conforme já reafirmado pelo STF e pelo artigo 611-A da CLT.

Por fim, é essencial uma releitura constitucional da CLT, abandonando as distinções patriarcais que já não se encaixam na sociedade atual. A proteção legítima à mulher no trabalho deve nascer de políticas públicas modernas, de uma verdadeira igualdade material, de uma negociação coletiva forte e de um ambiente econômico que seja inclusivo para todos os gêneros.

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