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Imagine que você adquiriu um imóvel na planta com a expectativa de entrega dentro do prazo. Quando o empreendimento atrasa — e por isso você cancela o contrato — surge a dúvida: além da construtora, a corretora que intermediou a venda também precisa devolver valores ou arcar com responsabilidade? A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 23 de outubro de 2025 clareia esse cenário — e de forma bastante relevante para compradores e profissionais do mercado imobiliário.
O que decidiu o STJ
A Corte, por meio da 4ª Turma, entendeu que em regra a corretora imobiliária não integra a cadeia de fornecimento de imóveis e, portanto, não responde solidariamente com a construtora por atraso na entrega.
No caso concreto, a consumidora rescindiu o contrato de compra e venda por atraso superior a 180 dias na entrega do imóvel — e pediu a devolução de todos os valores pagos, inclusive a comissão de corretagem. As instâncias inferiores consideraram a corretora responsável solidária, com base no art. 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Todavia, o relator, ministro João Otávio de Noronha, explicou que corretores têm atuação de intermediação, e não de execução ou entrega do bem — dessa forma, não integram a cadeia de fornecimento do imóvel.
Intermediação vs. cadeia de fornecimento
A fundamentação do STJ parte de distinção clara:
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A teoria da cadeia de fornecimento abrange agentes que participam da introdução do bem ou serviço no mercado, com esforço conjunto e direto para a oferta.
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A corretora atua como intermediadora — aproxima comprador e vendedor, viabiliza o negócio, mas não executa a obra, não define cronograma ou participa da incorporação imobiliária.
Assim, por não integrar diretamente a execução do produto final (o imóvel pronto), em regra não há responsabilidade solidária com a construtora.
Exceções que podem atribuir responsabilidade à corretora
O STJ ressalta que a regra não é absoluta. Há situações em que corretores podem sim responder solidariamente, tais como:
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Quando há falha na prestação do próprio serviço de corretagem (ex: informações falsas, omissão relevante).
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Se a corretora participa diretamente da incorporação ou está inserida no mesmo grupo econômico da construtora.
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Se ficou evidente que a corretora teve papel ativo na execução da obra ou na definição do cronograma de entrega.
Nesses casos, a exclusão da responsabilidade não se aplica automaticamente.
Implicações práticas para compradores e corretores
Para compradores
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Ao atrasar a entrega do imóvel, você poderá buscar a restituição dos valores pagos da construtora — mas não necessariamente da corretora, salvo exceção comprovada.
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Verifique no contrato de compra e venda ou no contrato de corretagem se há cláusulas que envolvem a corretora além da intermediação, para avaliar possíveis responsabilizações.
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Em caso de rescisão, exigências legais (como atraso superior a 180 dias) e documentos que demonstrem atraso devem estar bem alinhados.
Para corretores e empresas de intermediação
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A decisão do STJ oferece segurança jurídica ao segmento: em atuação típica de intermediação, a responsabilidade pela entrega do imóvel permanece com a construtora/incorporadora.
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Ainda assim, deve-se evitar situações em que a corretora assuma funções da construtora ou incorporação (por exemplo, participar de planejamento da obra) — essas ações podem caracterizar responsabilidade.
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Contratos de corretagem devem deixar claro o papel da corretora como agente intermediador, sem envolvimento na execução da obra.
Considerações finais
A recente decisão do STJ confirma que no regime normal de intermediação imobiliária, a corretora não responde solidariamente pelos atrasos na entrega de imóvel. A distinção entre intermediação e fornecimento é fundamental. Ainda assim, as exceções merecem atenção — sempre que o papel da corretora ultrapassar a mera intermediação, ela pode ser responsabilizada.
Se você está comprando um imóvel ou atua como corretor, conhecer esses contornos jurídicos é essencial para proteger seus direitos ou atividades. Em caso de dúvidas específicas sobre contratos ou situações atípicas, a orientação especializada de um advogado imobiliário continua sendo recomendada.
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