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A divisão da jurisprudência sobre a responsabilidade de comprovar as pausas para recuperação térmica gera insegurança jurídica e dilemas para trabalhadores e empresas do setor de frigoríficos.
O debate sobre as pausas térmicas em frigoríficos, apesar de ter uma base normativa clara, transformou-se em um dos pontos mais contenciosos na Justiça trabalhista brasileira. Há décadas, a legislação, especificamente o artigo 253 da CLT e o item 36.13.1 da NR-36, estabelece o direito a um intervalo de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho em ambientes artificialmente frios.
Contudo, o que deveria ser uma aplicação direta da lei resultou em um cenário de decisões conflitantes, gerando uma verdadeira "loteria judiciária" para trabalhadores e empregadores. A principal questão que persiste é: quem deve provar a concessão ou a supressão dessas pausas essenciais para a saúde?
Essa complexa realidade foi minuciosamente exposta pela Nota Técnica nº 13/CI-TRT12/2025, conforme análise de advogada trabalhista patronal especializada em compliance trabalhista e consultivo, publicada em 14 de dezembro de 2025.
A Divisão da Justiça Trabalhista sobre o Ônus da Prova
A análise dos acórdãos proferidos no TRT da 12ª Região entre janeiro de 2023 e abril de 2025 revela uma profunda divisão. Dos 791 julgados sobre pausas térmicas, 639 foram considerados improcedentes e 152 procedentes, um número que, à primeira vista, pode parecer rigoroso.
No entanto, o mapeamento detalhado mostra que as turmas do próprio tribunal adotam fundamentos incompatíveis. Uma corrente exige que o empregado comprove a supressão das pausas, baseando-se no artigo 818, I, da CLT e no dever de provar o fato constitutivo do direito alegado.
Essa visão argumenta que, como não há obrigação legal de registro das pausas, o empregador não pode ser imputado com o ônus de comprovar algo que a legislação não exigiu que fosse documentado. Essa interpretação busca manter a coerência com a ausência de uma exigência documental específica.
Por outro lado, uma segunda corrente defende que o ônus da prova recai sobre o empregador, devido à sua maior aptidão probatória. Entende-se que, se o trabalhador está sujeito a um ambiente artificialmente frio, a empresa deve ter mecanismos de controle para garantir o cumprimento das pausas.
Em certas decisões, a falta de prova por parte da empresa leva à condenação automática, evidenciando a disparidade de entendimentos. Isso significa que dois trabalhadores na mesma situação, no mesmo frigorífico, podem ter resultados completamente opostos dependendo da turma que julgar seus casos.
O Silêncio da Lei e o Impasse da Prova
O cerne da controvérsia reside no silêncio legislativo. O artigo 253 da CLT, embora conceda o direito à pausa térmica, não impõe ao empregador o dever de registrar esse intervalo. Diferente do intervalo intrajornada, não há uma obrigação documental explícita para as pausas em ambientes frios.
A ausência dessa previsão legal torna artificial a tentativa de transferir ao empregador o ônus de produzir uma prova que a lei jamais exigiu. A Nota Técnica nº 13/CI-TRT12/2025 reconhece que essa falta de registro obrigatório cria um impasse significativo na Justiça trabalhista.
Se o empregador não é legalmente obrigado a registrar, questiona-se como ele pode ser penalizado por não comprovar algo inexistente em sua documentação. E, da mesma forma, como o empregado, que trabalha em um ambiente com baixas temperaturas, pode ser compelido a provar que não descansou?
Impacto da Insegurança Jurídica para Frigoríficos e Empregados
A divergência jurisprudencial não é meramente teórica, mas possui um impacto estatístico, mensurável e preocupante, conforme apontado pela Nota Técnica. Ela afeta diretamente a previsibilidade das decisões judiciais, essencial para a segurança jurídica de todos.
Em 2024, por exemplo, observou-se que parte das turmas do TRT-12 começou a alinhar-se mais à ideia de que o ônus é do empregado, enquanto outras mantiveram a exigência de prova patronal. Houve sessões em que processos idênticos resultaram em decisões diametralmente opostas.
Essa quebra na coerência judicial viola princípios fundamentais do processo, como a isonomia, a segurança jurídica e a estabilidade das decisões. A falta de uma diretriz clara prejudica tanto o trabalhador, que busca um direito fundamental, quanto o empregador, que precisa de previsibilidade para operar.
A Urgência de uma Solução Institucional
Diante desse cenário, a Nota Técnica do Centro de Inteligência do TRT-12 sugere abertamente a instauração de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) ou um Incidente de Assunção de Competência (IAC). Esses instrumentos são cruciais para a uniformização de teses jurídicas.
A divergência sobre as pausas térmicas não é um caso isolado, mas sim persistente, numerosa e com um impacto coletivo significativo. A insegurança jurídica atinge não apenas trabalhadores e empresas, mas também sindicatos, advogados e todo o sistema produtivo do setor frigorífico.
Sem uma diretriz vinculante, cada turma continuará a decidir com base em seu próprio entendimento sobre o ônus da prova, a aptidão probatória e a proteção à saúde do trabalhador. Isso perpetua a litigiosidade, resultando em processos caros, imprevisíveis e prolongados desnecessariamente.
A solução para essa questão exige maturidade institucional. Embora a proteção à saúde do trabalhador seja um valor constitucional inegável, a segurança jurídica e a previsibilidade também são pilares importantes. Setores complexos como o de frigoríficos dependem dessa estabilidade para equilibrar eficiência e proteção laboral. A falta de uniformização não protege ninguém, gerando injustiça para o trabalhador e incerteza para o empregador. A pergunta "quem deve provar" continua sem uma resposta unificada, necessitando de uma ação institucional corajosa.