Por que o Poder das Leis Escritas, uma Lição Milenar de Sólon ao STF, é Mais Crucial do que Nunca para a Segurança Jurídica no Brasil?

Por que o Poder das Leis Escritas, uma Lição Milenar de Sólon ao STF, é Mais Crucial do que Nunca para a Segurança Jurídica no Brasil?

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A trajetória da legislação, desde a Grécia Antiga e Roma até os tribunais contemporâneos, sublinha a importância da clareza e publicidade das normas como baluartes contra o arbítrio e para a segurança jurídica.

A história da humanidade é marcada pela busca por justiça e pela necessidade de regras claras que orientem a sociedade. Nesse contexto, o poder das leis escritas emerge como um pilar fundamental, uma lição milenar que se renova constantemente diante dos desafios contemporâneos.

Desde as primeiras codificações, observamos como a formalização das normas foi crucial para limitar o poder discricionário e garantir direitos. Essa jornada histórica oferece insights valiosos sobre a importância da textualidade e da interpretação jurídica responsável.

As reflexões sobre este tema são aprofundadas por um advogado e professor de Direito Tributário, que explora a evolução e os impactos do poder das leis escritas, desde os legisladores antigos até as decisões mais recentes de cortes supremas, conforme análise divulgada.

A Gênese das Leis Escritas: Da Grécia Antiga à Roma Republicana

No século 6 a.C., Sólon, um dos sete sábios da Magna Grécia, empreendeu uma vasta reforma legal que culminou nas célebres “Leis de Sólon”. Esse marco normativo foi essencial para reduzir os privilégios da aristocracia helênica, estabelecendo um novo patamar de justiça social.

Paralelamente, em Roma, a longeva república (509 a 27 a.C.) era palco de intensas disputas entre patrícios e plebeus. Os tribunais, dominados pelos patrícios, geravam incerteza e arbítrio, pois as decisões eram baseadas em costumes não escritos, sujeitando os plebeus à visão pessoal dos julgadores.

Ao tomarem conhecimento das inovações de Sólon, os plebeus romanos vislumbraram nas leis escritas um instrumento de defesa. Uma comitiva foi enviada à Grécia para estudar o modelo, resultando na criação da Lei das 12 Tábuas em Roma. Este diploma normativo, uma compilação de costumes e regras, tornou-se um marco na vitória da justiça sobre o arbítrio, transformando as relações sociais romanas.

A partir desse momento, a publicidade, a preexistência e a clareza se tornaram atributos inerentes às normas de conduta. Os plebeus passaram a contar com a força das palavras escritas, o que reduziu significativamente o peso das visões individuais dos magistrados em suas decisões, evidenciando o poder das leis escritas.

Historicamente, a lei surge como um instrumento contra a opressão. Contudo, há um pressuposto essencial para a concretização de seus efeitos: o aplicador deve fazer valer o texto diante do caso concreto, mesmo que o resultado não seja aquele que, em sua consciência, pareça o mais acertado. Isso não significa uma interpretação meramente literal, uma escola de pensamento há séculos superada.

O ponto de partida da interpretação, e na maioria das vezes também o de chegada, deve ser o texto. O aplicador ajusta o sentido do texto à vida prática, mas esses ajustes não podem se dissociar do que razoavelmente se espera do que foi previamente escrito e informado à coletividade, garantindo a segurança jurídica.

O Respeito ao Texto e os Desafios Interpretativos nos EUA

Nos Estados Unidos, a importância do texto legal é frequentemente testada. A Sexta Emenda à Constituição, de 1791, prevê que “as testemunhas devem ser levadas ao julgamento para testemunhar perante o réu, o juiz e o júri”. Essa regra, conhecida como “cláusula de confronto”, assegura o direito do réu de submeter a testemunha a um “interrogatório cruzado” (cross-examination).

A Suprema Corte americana criou exceções pontuais para a dispensa da cross-examination, sempre justificando as decisões com base na finalidade da norma e no contexto histórico. Por exemplo, em Mattox v. United States (1895) e California v. Green (1970), as declarações de testemunhas ausentes foram admitidas sob condições rigorosas, demonstrando respeito ao texto como ponto de partida e mecanismo de contenção.

Entretanto, em Ohio v. Roberts (1980), a Suprema Corte inovou ao permitir a dispensa da confrontação com base em “indícios suficientes de credibilidade” da declaração prévia da testemunha ausente. Essa decisão gerou críticas por sua dissociação do texto da Sexta Emenda e pela introdução de parâmetros vagos, comprometendo a calculabilidade do direito.

Quase 25 anos depois, a Suprema Corte reverteu esse precedente em Crawford v. Washington (2004), afirmando que nenhum tribunal teria autoridade para substituir a garantia constitucionalmente enunciada por uma versão “de sua própria criação”. Com isso, o respeito ao texto foi retomado, e a segurança do direito voltou a ser concretizada, reforçando o poder das leis escritas.

A Presunção de Inocência no Brasil: O STF e a Força da Textualidade

No Brasil, uma situação similar ocorreu com a interpretação do artigo 5º, LVII, da Constituição, que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A textualidade dessa regra aponta para a impossibilidade de execução da pena antes da finalização do processo judicial acusatório.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a observância da regra tal como enunciada, permitindo a prisão somente após o encerramento do processo, ressalvadas as prisões cautelares, como para evitar fuga ou destruição de provas (STF, Pleno, HC nº 84.078/MG, Relator Min. Eros Grau, DJe 26.02.2010).

Contudo, em 2016, a corte modificou seu entendimento, permitindo a prisão de acusados após a decisão de segunda instância, antes do julgamento de todos os recursos (STF, Pleno, HC nº 126.292/SP, Relator Min. Teori Zavascki, DJe 17.05.2016). Essa guinada, motivada por uma análise consequencialista sobre a sensação de impunidade, deixou de lado o texto constitucional, gerando insegurança jurídica e acirrando disputas.

Posteriormente, em 2019, o STF retomou o entendimento original (fixado em 2009), impedindo a prisão antes do trânsito em julgado, com a ressalva das prisões cautelares (STF, Pleno, ADC nº 43, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 12.11.2020). Essa decisão demonstrou a importância de se manter a coerência com o texto constitucional, mesmo diante de pressões sociais.

É importante notar que essa não é uma interpretação meramente literal, mas uma que considera as técnicas hermenêuticas. Em outro caso, o STF decidiu pela possibilidade de prisão imediata após a decisão do júri, mesmo com apelação cabível, em razão da soberania das decisões do júri (artigo 5º, XXXVIII da Constituição), encontrando uma solução consistente na leitura conjunta dos enunciados (STF, Pleno, RE nº 1.235.340/SC, Tema nº 1.068-RG, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJe 13.11.2024).

A Calculabilidade do Direito e a Segurança Jurídica

Quando o ponto de partida da interpretação se afasta do texto, a calculabilidade do direito é comprometida. A atribuição de igual peso às palavras escritas, à finalidade da regra, ao contexto histórico e às consequências da aplicação leva, inevitavelmente, a desfechos incertos e à perda da segurança jurídica.

Como sabiamente ensaiou Eurípedes na dramaturgia grega, “com leis escritas, se o pequeno homem está correto, ele ganha contra o grande”. Essa lição milenar é plenamente aplicável na contemporaneidade, reafirmando que o poder das leis escritas é a base para um sistema jurídico justo e previsível.

Afinal, se no Direito não se valoriza o que está escrito, questiona-se o que, de fato, terá valia. O respeito à textualidade, acompanhado de uma interpretação jurídica responsável, é o caminho para garantir que a justiça seja acessível e compreensível para todos, protegendo os cidadãos do arbítrio e da incerteza.

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