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Entenda como a EC 136/2025 altera o regime dos precatórios, institucionaliza a dívida pública e impõe custos aos cidadãos como financiadores do Estado.
A promulgação da Emenda Constitucional nº 136/2025, em 9 de setembro de 2025, marca um ponto de virada preocupante na relação entre o Estado e o cumprimento de suas obrigações judiciais. Esta emenda representa a mais significativa alteração no regime jurídico dos precatórios desde 1988, gerando grande apreensão entre juristas e a sociedade civil.
Sob o pretexto de buscar o “equilíbrio fiscal”, a EC 136/2025 estabelece um novo ciclo de postergação institucionalizada do pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça. Este movimento é visto como um retrocesso que compromete seriamente a autoridade do Poder Judiciário, fragiliza o pacto republicano e impõe aos cidadãos o pesado ônus da inadimplência estatal.
Especialistas e análises jurídicas apontam que a medida não apenas prolonga a espera dos credores por décadas, mas também cria um passivo financeiro autossustentado pela própria incapacidade de pagamento do Estado, como detalhado em informações divulgadas sobre o tema.
A Moratória Indefinida dos Precatórios e Seus Impactos
A Emenda Constitucional 136/2025 abandona a lógica orçamentária que, por décadas, garantiu o pagamento de precatórios, com requisição, inclusão no orçamento e quitação no exercício seguinte. Em seu lugar, ela introduz um modelo de tetos percentuais sobre a Receita Corrente Líquida (RCL), que podem variar de 1% a 5% conforme o estoque de dívidas em mora.
O efeito prático dessa mudança é a diluição dos pagamentos por várias décadas, criando um passivo que se realimenta da própria inadimplência. Mais alarmante ainda, a EC nº 136/2025 extingue o prazo final de quitação dos precatórios que estavam submetidos ao Regime Especial, previsto para terminar em 31 de dezembro de 2029.
Com essa alteração, instaura-se um regime sem horizonte temporal, uma verdadeira moratória indefinida. Os credores, que já aguardam há anos, veem a perspectiva de receber seus direitos desaparecer em um limbo de incertezas, tornando-se financiadores compulsórios do Estado, sem qualquer previsibilidade de recebimento.
Vícios Constitucionais e o Desrespeito à Coisa Julgada
A EC 136/2025 reincide em vícios que já foram declarados inconstitucionais pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao subordinar o cumprimento de sentenças judiciais às conveniências financeiras dos entes devedores, a emenda afronta diretamente cláusulas pétreas da Constituição.
Entre as cláusulas pétreas atingidas, destacam-se a separação dos poderes, a isonomia, o direito adquirido, a coisa julgada e a efetividade da tutela jurisdicional. A Suprema Corte já considerou mecanismos de postergação semelhantes como incompatíveis com os princípios do Estado Democrático de Direito, e a nova emenda retoma essas práticas.
Essa abordagem mina a confiança na Justiça e a segurança jurídica, elementos fundamentais para qualquer sociedade democrática. A autoridade das decisões judiciais é esvaziada, transformando sentenças em meras recomendações financeiras, sujeitas à discricionariedade do poder executivo.
O Custo da Inadimplência Estatal para o Cidadão
Há uma ruptura simbólica e material profunda com o ideal republicano. O Estado, que deveria ser o primeiro a cumprir suas próprias leis, utiliza a Constituição para legitimar sua inadimplência. O tão propalado “equilíbrio fiscal” passa a ser alcançado à custa de direitos que já foram reconhecidos judicialmente, um retrocesso civilizatório.
Essa prática corrói a confiança institucional e desvaloriza o papel do Poder Judiciário. Os cidadãos que buscaram a Justiça para ter seus direitos garantidos agora se veem em uma situação de espera indeterminada, com a sensação de que o Estado pode, a qualquer momento, mudar as regras do jogo em seu próprio benefício.
A consequência é que a cidadania paga a conta da irresponsabilidade fiscal e da falta de planejamento, enquanto a Justiça é enfraquecida e sua capacidade de garantir direitos é minada por decisões que priorizam a conveniência política em detrimento da legalidade e da equidade.
Dados Revelam Escolha Política, Não Técnica
Dados técnicos reforçam a inconsistência da opção adotada pela EC 136/2025. Um estudo da Câmara Nacional de Gestores de Precatórios, realizado em 2025, demonstrou que a grande maioria dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios teria condições de quitar seus precatórios até 31 de dezembro de 2029, sob o regime então vigente.
A pesquisa indicou que apenas um número residual de entes federativos, aqueles com comprometimento da RCL superior a 5%, enfrentaria dificuldades estruturais. Para esses casos específicos, a própria Constituição já oferece soluções, como a federalização da dívida, prevista no artigo 100, parágrafo 16.
Portanto, a escolha do constituinte derivado, ao invés de buscar soluções calibradas para as exceções, optou por uma moratória generalizada, que alcança inclusive aqueles entes que estavam em dia com seus pagamentos. Essa decisão não foi técnica, mas sim política, impactando negativamente a todos os envolvidos.
As consequências são imediatas e previsíveis: entes hoje adimplentes migrarão para o inadimplemento, pois os novos limites percentuais não serão suficientes para cobrir o fluxo necessário e manter a regularidade. Novas filas se formarão, com atrasos projetados para além de uma década, intensificando o problema dos precatórios.
O que se apresenta como racionalidade fiscal, mais uma vez, se converte em postergação institucionalizada. Ao criar um modelo de endividamento perpétuo, a EC nº 136/2025 rompe o pacto constitucional de 1988, que buscava assegurar previsibilidade orçamentária e a autoridade das decisões judiciais. Em síntese, enquanto o Estado se financia pela postergação de suas dívidas, a Justiça paga a conta, e a cidadania perde.
É crucial reconhecer que não existe sustentabilidade fiscal genuína sem o devido respeito às sentenças judiciais. A confiança no Estado Democrático de Direito não é construída com moratórias constitucionais, mas sim com responsabilidade, transparência e, acima de tudo, o cumprimento da lei.