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Decisão histórica do Tribunal de Justiça de São Paulo reacende o debate sobre a aplicação das regras de câmaras arbitrais e a garantia do devido processo legal em grandes litígios corporativos envolvendo a mineradora Vale e investidores internacionais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de sua 2ª Câmara de Direito Empresarial, proferiu uma decisão significativa que pode redefinir aspectos importantes da arbitragem no Brasil. O colegiado anulou a indicação de árbitros feita pelo presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado, a Câmara B3, em uma complexa disputa envolvendo a Vale S.A. e um grupo de fundos de investimento estrangeiros.
Essa deliberação representa uma vitória para a mineradora, que questionava a aplicação de uma regra específica do regulamento da Câmara B3. O caso levanta discussões cruciais sobre a autonomia das partes na escolha dos julgadores e a intervenção do Judiciário para assegurar os princípios fundamentais do processo arbitral.
A decisão, conforme informações divulgadas pela revista Consultor Jurídico, sublinha a importância do direito ao contraditório e das prerrogativas das partes em procedimentos arbitrais de alta complexidade, impactando diretamente o cenário de resolução de conflitos corporativos no país.
Entenda a Controvérsia na Câmara B3
A disputa em questão envolve a Vale e 123 fundos de investimento estrangeiros, que são acionistas da companhia. O cerne do litígio reside na aplicação do item 3.6 do Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, que estabelece que, em caso de múltiplas partes requeridas ou requerentes, estas devem indicar um árbitro em conjunto.
A regra prevê que, na ausência de consenso, o presidente da Câmara B3 indicaria todos os árbitros. A Vale argumentou que a decisão do presidente de nomear todos os membros do painel arbitral, após a falta de acordo entre os fundos, havia favorecido os investidores, comprometendo a imparcialidade do processo.
A mineradora buscou o afastamento dessa regra, alegando que a prerrogativa de indicar seu coárbitro havia sido violada. Em primeira instância, o pedido da Vale foi negado, levando a empresa a recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo para buscar a anulação da indicação de árbitros.
O Julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo
O recurso da Vale chegou à 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJ-SP. Inicialmente, o relator da matéria, desembargador Sérgio Shimura, votou por dar provimento ao recurso da Vale, posicionando-se a favor da mineradora. O julgamento, contudo, foi suspenso por um pedido de vista dos desembargadores Maurício Pessoa e Jorge Tosta.
O caso retornou à pauta do tribunal na última terça-feira, dia 18 de novembro, e a maioria do colegiado acompanhou o voto do relator. Os desembargadores concluíram que a Vale teve seu direito ao contraditório violado, um princípio fundamental em qualquer processo judicial ou arbitral.
Essa decisão ressalta a importância da intervenção do Judiciário para garantir que as regras procedimentais sejam cumpridas, mesmo em um ambiente de arbitragem, sem adentrar o mérito da controvérsia principal entre as partes.
Violação do Contraditório e a Decisão Final
Em seu voto, o desembargador Shimura detalhou que, no procedimento arbitral, os fundos estrangeiros tentaram indicar coárbitros por sete vezes, mas todas as indicações resultaram em renúncias ou desistências. Diante dessa situação, os investidores passaram a defender a aplicação do item 3.6 do regulamento interno da Câmara B3.
O presidente da Câmara, então, acolheu os argumentos dos fundos, nomeou os três membros do painel arbitral e invalidou a nomeação da árbitra que havia sido indicada pela Vale. O colegiado do TJ-SP, no entanto, entendeu que essa decisão do presidente violou o próprio regimento da Câmara, bem como a legislação aplicável.
Os desembargadores enfatizaram que a decisão do presidente ofendeu o direito da Vale de nomear seu coárbitro, prerrogativa expressamente prevista na Lei 9.307/1996, a Lei de Arbitragem. Para o tribunal, o requisito da ausência de consenso, necessário para a aplicação do item 3.6, não foi preenchido de forma a justificar a nomeação de todos os árbitros pelo presidente.
Conforme escreveu Shimura, “A Vale S.A. não pode ser prejudicada pelo fato de os solicitantes da arbitragem (ora réus apelados) não terem conseguido indicar seu coárbitro, sob pena de ofensa às prerrogativas previstas tanto na Lei n.9.307/1996, como no Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado”.
Impacto e Repercussões no Cenário Arbitral
A anulação da indicação de árbitros pelo TJ-SP tem um peso significativo no ambiente da arbitragem brasileira. A decisão reforça que a intervenção judicial, quando necessária, visa proteger os princípios do devido processo legal e o direito das partes de influenciar a composição do tribunal arbitral.
Olavo Ferreira Alves, procurador do Estado de São Paulo e árbitro, comentou sobre a relevância do caso, afirmando que “Trata-se de caso interessante que prestigiou a nomeação de árbitra, já aceita pelo Comitê de Impugnação da Câmara, portanto não poderia ser revista pela direção, impondo-se a aplicação do devido processo legal”.
Essa decisão serve como um lembrete de que, embora a arbitragem seja uma via autônoma para a resolução de conflitos, ela ainda está sujeita ao escrutínio judicial para garantir a conformidade com as leis e os princípios processuais. Para empresas como a Vale e outros grandes litigantes, a garantia da correta formação do tribunal arbitral é essencial para a confiança no sistema e a legitimidade das decisões.
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