Transformar curso em e-book e pagar só 2,28% de imposto? A verdade que poucos contam — e que pode custar caro

Transformar curso em e-book e pagar só 2,28% de imposto? A verdade que poucos contam — e que pode custar caro

Tempo de leitura: 4 minutos

Transformar curso em e-book para pagar só 2,28% de imposto pode ser uma armadilha. Entenda o que diz o STF, a Receita Federal e os riscos reais de autuação.

Nos últimos meses, uma promessa tem se espalhado rapidamente no mercado digital:

“Transforma seu curso em e-book que você paga só 2,28% de imposto.”
“Grava o áudio das aulas, chama de audiobook e foge da tributação.”

Soa tentador.
Soa simples.
Mas, na prática, pode ser uma das armadilhas fiscais mais perigosas para infoprodutores.

E não, isso não é terrorismo tributário.
É lei, jurisprudência e interpretação oficial da Receita Federal.


O que o STF realmente decidiu sobre e-books

A Constituição Federal, no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, proíbe a cobrança de impostos sobre livros, jornais e periódicos.

Durante muito tempo, discutiu-se se essa imunidade valeria apenas para livros em papel. O Supremo Tribunal Federal encerrou essa discussão ao reconhecer que o conteúdo é mais importante que o suporte.

Esse entendimento foi consolidado na Súmula Vinculante nº 57 do STF, que deixou claro:

A imunidade tributária alcança o livro eletrônico (e-book), inclusive sua importação e comercialização, bem como os suportes exclusivamente destinados à sua leitura.

Ou seja: e-books são livros para fins constitucionais.

Até aqui, nenhuma controvérsia.


Mas atenção: imunidade constitucional tem limites

O problema começa quando essa decisão é usada de forma simplificada — ou distorcida — para justificar planejamentos agressivos.

A imunidade do art. 150 da Constituição:

  • Afasta impostos como ICMS e IPI

  • Não se aplica automaticamente às contribuições sociais, como PIS e COFINS

E quem define como essas contribuições se aplicam, no dia a dia, é a Receita Federal.


O que a Receita Federal entende (e autua)

A Receita Federal já analisou esse tema diversas vezes, e seu posicionamento é claro.

Segundo as Soluções de Consulta COSIT nº 393/2017 e Solução Vinculada nº 8.022/2019:

  • A alíquota zero de PIS e COFINS não se aplica, como regra geral, à venda de e-books

  • A exceção ocorre apenas quando:

    1. O conteúdo é destinado a pessoas com deficiência visual

    2. Ou quando se trata de exportação, protegida pelo art. 149, §2º, I, da Constituição

Fora dessas hipóteses, PIS e COFINS são devidos normalmente.


Nem todo PDF é um e-book (e a Receita sabe disso)

Outro erro comum é achar que basta:

  • Transformar aulas em PDF

  • Registrar um ISBN

  • Ou mudar o nome do produto no checkout

Nada disso, isoladamente, altera a natureza jurídica do que está sendo vendido.

Para ser considerado livro eletrônico, o conteúdo precisa:

  • Ser essencialmente textual

  • Ter estrutura editorial de livro (introdução, capítulos, conclusão)

  • Ter intenção de leitura, e não de ensino didático passo a passo

  • Não funcionar como material complementar de curso

A simples transcrição de aulas não transforma um curso em e-book.


Audiobook, videobook e outros “atalhos criativos”

Aqui surgem os atalhos mais perigosos.

Audiobook não é:

  • Aula gravada em áudio

  • Podcast

  • Explicação didática falada

Audiobook é, juridicamente, a narração de um livro existente — um “livro falado”.

Já o chamado videobook sequer existe como categoria legal tributária.
No mercado digital, vídeo com alguém ensinando, explicando ou demonstrando algo é, para a Receita Federal:

Curso online gravado. Ponto final.

E curso é prestação de serviço, com carga tributária completamente diferente.


O risco real por trás da promessa dos “2,28%”

Quando a Receita entende que houve enquadramento indevido, a conta não vem pequena:

  • Cobrança retroativa de tributos

  • Multas de 75% a 150%

  • Juros acumulados

  • Possível responsabilização do sócio

  • Risco de caracterização de sonegação fiscal

A economia ilusória pode virar um passivo tributário de anos.


Dá para pagar menos imposto com e-books? Sim. Mas do jeito certo.

É possível estruturar operações legítimas com:

  • Imunidade de ICMS para e-books que realmente são livros

  • Planejamento para exportação de conteúdo digital

  • Enquadramento correto de CNAE, contratos, notas fiscais e contabilidade

Mas isso exige estratégia, técnica e respaldo legal — não atalhos.


Conclusão: não é sobre pagar menos. É sobre pagar certo.

O STF protege os livros.
A Receita fiscaliza a realidade da operação.

Ignorar um desses lados é assumir risco desnecessário.

No mercado digital, planejamento tributário não é gambiarra.
É estrutura, coerência e segurança jurídica.

Quem entende isso cresce tranquilo.
Quem ignora, cresce com uma autuação batendo à porta.

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