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Transformar curso em e-book para pagar só 2,28% de imposto pode ser uma armadilha. Entenda o que diz o STF, a Receita Federal e os riscos reais de autuação.
Nos últimos meses, uma promessa tem se espalhado rapidamente no mercado digital:
“Transforma seu curso em e-book que você paga só 2,28% de imposto.”
“Grava o áudio das aulas, chama de audiobook e foge da tributação.”
Soa tentador.
Soa simples.
Mas, na prática, pode ser uma das armadilhas fiscais mais perigosas para infoprodutores.
E não, isso não é terrorismo tributário.
É lei, jurisprudência e interpretação oficial da Receita Federal.
O que o STF realmente decidiu sobre e-books
A Constituição Federal, no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, proíbe a cobrança de impostos sobre livros, jornais e periódicos.
Durante muito tempo, discutiu-se se essa imunidade valeria apenas para livros em papel. O Supremo Tribunal Federal encerrou essa discussão ao reconhecer que o conteúdo é mais importante que o suporte.
Esse entendimento foi consolidado na Súmula Vinculante nº 57 do STF, que deixou claro:
A imunidade tributária alcança o livro eletrônico (e-book), inclusive sua importação e comercialização, bem como os suportes exclusivamente destinados à sua leitura.
Ou seja: e-books são livros para fins constitucionais.
Até aqui, nenhuma controvérsia.
Mas atenção: imunidade constitucional tem limites
O problema começa quando essa decisão é usada de forma simplificada — ou distorcida — para justificar planejamentos agressivos.
A imunidade do art. 150 da Constituição:
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Afasta impostos como ICMS e IPI
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Não se aplica automaticamente às contribuições sociais, como PIS e COFINS
E quem define como essas contribuições se aplicam, no dia a dia, é a Receita Federal.
O que a Receita Federal entende (e autua)
A Receita Federal já analisou esse tema diversas vezes, e seu posicionamento é claro.
Segundo as Soluções de Consulta COSIT nº 393/2017 e Solução Vinculada nº 8.022/2019:
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A alíquota zero de PIS e COFINS não se aplica, como regra geral, à venda de e-books
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A exceção ocorre apenas quando:
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O conteúdo é destinado a pessoas com deficiência visual
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Ou quando se trata de exportação, protegida pelo art. 149, §2º, I, da Constituição
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Fora dessas hipóteses, PIS e COFINS são devidos normalmente.
Nem todo PDF é um e-book (e a Receita sabe disso)
Outro erro comum é achar que basta:
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Transformar aulas em PDF
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Registrar um ISBN
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Ou mudar o nome do produto no checkout
Nada disso, isoladamente, altera a natureza jurídica do que está sendo vendido.
Para ser considerado livro eletrônico, o conteúdo precisa:
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Ser essencialmente textual
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Ter estrutura editorial de livro (introdução, capítulos, conclusão)
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Ter intenção de leitura, e não de ensino didático passo a passo
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Não funcionar como material complementar de curso
A simples transcrição de aulas não transforma um curso em e-book.
Audiobook, videobook e outros “atalhos criativos”
Aqui surgem os atalhos mais perigosos.
Audiobook não é:
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Aula gravada em áudio
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Podcast
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Explicação didática falada
Audiobook é, juridicamente, a narração de um livro existente — um “livro falado”.
Já o chamado videobook sequer existe como categoria legal tributária.
No mercado digital, vídeo com alguém ensinando, explicando ou demonstrando algo é, para a Receita Federal:
Curso online gravado. Ponto final.
E curso é prestação de serviço, com carga tributária completamente diferente.
O risco real por trás da promessa dos “2,28%”
Quando a Receita entende que houve enquadramento indevido, a conta não vem pequena:
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Cobrança retroativa de tributos
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Multas de 75% a 150%
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Juros acumulados
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Possível responsabilização do sócio
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Risco de caracterização de sonegação fiscal
A economia ilusória pode virar um passivo tributário de anos.
Dá para pagar menos imposto com e-books? Sim. Mas do jeito certo.
É possível estruturar operações legítimas com:
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Imunidade de ICMS para e-books que realmente são livros
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Planejamento para exportação de conteúdo digital
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Enquadramento correto de CNAE, contratos, notas fiscais e contabilidade
Mas isso exige estratégia, técnica e respaldo legal — não atalhos.
Conclusão: não é sobre pagar menos. É sobre pagar certo.
O STF protege os livros.
A Receita fiscaliza a realidade da operação.
Ignorar um desses lados é assumir risco desnecessário.
No mercado digital, planejamento tributário não é gambiarra.
É estrutura, coerência e segurança jurídica.
Quem entende isso cresce tranquilo.
Quem ignora, cresce com uma autuação batendo à porta.