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A nova lei sancionada em 21 de novembro de 2025, que institui o Regime Especial de Atualização e Regularização Patrimonial (Rearp), entrou no radar de quem tem Bitcoin e outros criptoativos não declarados. Embora o texto não fale em “lei do Bitcoin”, é exatamente isso que, na prática, ela também é: um grande mutirão de regularização patrimonial que inclui, de forma expressa, criptoativos e demais ativos virtuais.
O ponto central para o investidor de criptomoedas é direto: quem tem Bitcoin oculto — ou seja, não informado corretamente ao Fisco — poderá regularizar pagando 15% de Imposto de Renda sobre o valor dos ativos e mais uma multa de 100% sobre esse imposto. Na prática, o custo total fica em torno de 30% do valor regularizado.
Em troca, a lei oferece uma espécie de “anistia tributária e penal”: remissão de créditos tributários relacionados àquele patrimônio e extinção da punibilidade por crimes tributários, desde que a adesão siga todas as regras.
Onde o Bitcoin entra na nova lei
O Rearp não é exclusivo para cripto: ele vale para uma lista grande de bens e direitos não declarados (ou declarados com omissões), no Brasil ou no exterior. Mas o texto da lei é explícito ao incluir, entre os ativos que podem ser regularizados:
“ativos intangíveis de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes, criptoativos e demais ativos virtuais (...).”
Ou seja, Bitcoin, outras criptomoedas, tokens, stablecoins e ativos virtuais em geral entram no pacote. Se o investidor é residente no Brasil e, em 31 de dezembro de 2024, já foi ou ainda é titular desses criptoativos, mas não declarou (ou declarou com informações essenciais incorretas), ele está potencialmente dentro do alvo do Rearp.
Quanto se paga para regularizar Bitcoin oculto
Para o caso da regularização (não da simples atualização de bens já declarados), a regra é a seguinte:
- O valor dos criptoativos regularizados é tratado como acréscimo patrimonial em 31 de dezembro de 2024;
- Sobre esse montante, a pessoa física ou jurídica paga Imposto de Renda à alíquota de 15%;
- Além disso, incide uma multa de 100% sobre o valor do imposto.
Em termos práticos, funciona assim:
- Imposto: 15% sobre o valor dos Bitcoins/criptoativos regularizados;
- Multa: igual a 100% do imposto calculado (ou seja, outro 15% sobre o valor do ativo);
- Carga total aproximada: 30% do valor regularizado.
Exemplo simplificado: se um investidor tem o equivalente a R$ 100.000,00 em Bitcoin não declarado até 31/12/2024 e decide aderir ao Rearp:
- Imposto (15%): R$ 15.000,00;
- Multa (100% do imposto, ou seja, mais 15%): R$ 15.000,00;
- Total a pagar: R$ 30.000,00, além de eventuais encargos de parcelamento.
Um ponto importante: esse pagamento é considerado tributação definitiva. Depois de pagar, não há direito à restituição de valores anteriores relacionados a esse patrimônio.
É só pagar à vista? Como funciona o parcelamento
A lei prevê que a adesão ao Rearp deve acontecer em até 90 dias a partir da publicação da lei, com a entrega da declaração específica e o pagamento do imposto e da multa. Porém, não é obrigatório pagar tudo em cota única.
O contribuinte pode:
- pagar em cota única; ou
- parcelar em até 36 (trinta e seis) quotas mensais, iguais e sucessivas.
Regras importantes do parcelamento:
- nenhuma quota pode ser inferior a R$ 1.000,00;
- impostos de valor inferior a R$ 2.000,00 devem ser pagos de uma vez só;
- as quotas seguintes à primeira serão acrescidas de juros pela taxa Selic;
- é possível antecipar o pagamento, total ou parcial, a qualquer momento.
Ou seja, um investidor com grande volume de Bitcoin oculto pode diluir o custo ao longo de até três anos, embora com correção pela Selic.
O que o investidor ganha ao regularizar Bitcoin e criptoativos
O pacote do Rearp é pesado na cobrança, mas também oferece contrapartidas relevantes para quem está irregular:
- Remissão de créditos tributários: a regularização, com pagamento do imposto e da multa, implica o perdão dos créditos tributários relacionados àquele patrimônio em relação a fatos geradores até 31 de dezembro de 2024;
- Extinção da punibilidade de crimes tributários: se o contribuinte cumprir as condições antes de sentença penal condenatória definitiva, a lei prevê a extinção da punibilidade de crimes contra a ordem tributária relacionados àqueles bens;
- Dispensa de acréscimos moratórios anteriores: ao optar pela regularização e pagar o pacote (imposto + multa), o contribuinte fica dispensado de juros e multas moratórias anteriores sobre aquele imposto;
- Possibilidade de repatriação formalizada: criptoativos mantidos no exterior podem ser repatriados via instituição financeira autorizada, com base na declaração apresentada.
Na prática, para quem está com Bitcoin ou outros criptoativos “fora do radar”, o recado é claro: ou regulariza agora, com um custo conhecido, ou corre o risco de, no futuro, enfrentar autuações com multas ainda maiores, juros, efeitos penais e sem o guarda-chuva protetivo dessa lei.
Regularização não é “liberou geral”: condições e riscos
Para aderir ao Rearp, o investidor precisa:
- apresentar uma declaração única de regularização com descrição detalhada dos bens e direitos a serem regularizados (incluindo criptoativos), o respectivo valor em moeda corrente e a comprovação da origem lícita dos recursos;
- guardar documentação que comprove valores, saldos e operações, especialmente na data de 31 de dezembro de 2024;
- informar esses ativos também na declaração de IRPF (pessoa física) ou na escrituração contábil (pessoa jurídica) relativa ao período.
A lei também é clara quanto às consequências de tentar “burlar” o programa:
- se forem identificadas declarações ou documentos falsos, o contribuinte pode ser excluído do Rearp;
- nesse caso, voltam a ser cobrados todos os tributos, multas e juros que seriam devidos normalmente, descontando apenas o que já foi pago;
- isso tudo sem prejuízo de eventuais penalidades civis, administrativas e penais.
Além disso, há uma proteção expressa quanto ao sigilo: divulgar informações de contribuintes que aderirem ao Rearp equivale à quebra de sigilo fiscal e pode levar o responsável às penas da Lei Complementar 105/2001 e do Código Penal, inclusive com possibilidade de demissão se for servidor público.
Bitcoin “oculto” deixa de ser invisível
Do ponto de vista político e econômico, o Rearp manda uma mensagem clara ao mercado cripto: o período em que o investidor brasileiro podia tratar Bitcoin como um ativo “fora do sistema” está, na prática, chegando ao fim.
Ao mesmo tempo em que o governo avança em tecnologias como blockchain na identidade nacional e discute a regulação de criptoativos em outras frentes, cria também mecanismos robustos de mapeamento e cobrança sobre patrimônios até então invisíveis ao Fisco.
Para quem está regular, a lei não muda quase nada. Para quem tem criptoativos não declarados, porém, ela abre um grande “portal de saída”: é caro — algo como 30% do valor regularizado —, mas, em contrapartida, entrega paz tributária e penal em um setor cada vez mais monitorado.
O que fazer agora se você tem Bitcoin não declarado
Se você tem Bitcoin ou outros criptoativos não declarados até 31 de dezembro de 2024, alguns passos se tornam urgentes:
- levantar com precisão seus saldos, carteiras, corretoras e histórico de operações;
- calcular o valor de mercado na data de referência, com documentos que sustentem esse valor;
- avaliar, com apoio de contador e/ou advogado tributarista, se a adesão ao Rearp é vantajosa no seu caso;
- simular o impacto financeiro: imposto (15%) + multa (100% do imposto) + eventual parcelamento;
- organizar a documentação para comprovar a origem lícita dos recursos que deram origem aos criptoativos.
O mercado cripto já viveu fases de euforia, quedas bruscas, golpes e promessas. Agora, entra em uma fase diferente: a da convergência com o sistema tributário tradicional. Quem entender esse movimento antes tende a sofrer menos — e a ter mais previsibilidade no longo prazo.